A PRÁTICA DOCENTE E A EDUCAÇÃO PARA A MORTE
APRESENTADO NO III ENCONTRO DE TANATOLOGIA DO CEARÁ
Fortaleza 06 e 07de Julho de 2007
Maria do Socorro Nascimento de Melo – Antropóloga, Socióloga e Pedagoga (RN)
Introdução
Considerei que poderia ser oportuno, nesse evento que discute a Educação para a morte e a Educação para a Vida e numa mesa que deve abordar o perfil do profissional da educação e a educação para a morte, trazer, mesmo que de forma breve, visões mais recentes acerca da prática pedagógica e a temática da morte. Considero que esse tema, como procurarei esclarecer ao longo desta fala, ainda é tratado num tom velado, principalmente, diante de crianças. De modo geral, a morte, única certeza que temos na vida é percebida como um acontecimento pesaroso, representando a finalização de um ciclo e é reputada, ainda como tabu em sociedades ocidentais. Determinadas normas sociais exigem que a morte seja assunto velado nas conversas educadas. E isto é o que parece vir ocorrendo no cotidiano escolar. Pronunciar a palavra morte É motivo de pavor até mesmo para indivíduos com formação em nível de pós-graduação, como professores atuantes em cursos de graduação, mestrado e doutorado, que dizem não se acharem preparados para discutirem tal temática. Questiono, se o professor não se julga preparado para tal discussão, então como seria a formação de seres humanos para lidar com a morte no decorrer da sua vida pessoal, acadêmica e profissional.
Esse desdém parece revelar o pouco interesse em estudar o tema no âmbito das diversas áreas do conhecimento, ou uma repulsa em trazê-lo para o limiar da escola, comparando-o ao interesse demonstrado por outros fenômenos sociais. Em decorrência disso, estudos sobre morte como conhecimento escolar despontam recentemente nas sociedades ocidentais. Kovács (2003b, p.44), uma importante referência para esses estudos, assume:
Em pesquisa bibliográfica praticamente não encontrei referências sobre a questão da morte associada ao contexto educacional e à formação de educadores; por outro lado, em minha experiência profissional, encontro sempre a denúncia dessa lacuna por parte de professores – ausências mais intrigantes por sabermos todos o quanto a morte está presente no universo escolar, pelas perdas que acontecem na vida de crianças e adolescentes e pela via da morte escancarada, com violência, repentina, brusca e para qual é muito difícil se encontrar proteção.
Para ilustrar o pensamento da autora supracitada é importante mencionar o artigo “Como lidar com a morte”, publicado em abril de 2003, na coluna S.O.S. sala de aula, da Revista Nova Escola. No referido texto, uma professora roga auxílio, pois diante da realidade da morte não sabe como proceder, tanto com um aluno que acaba de perder o pai como com o restante da turma. É certo que tal atitude da professora pode refletir a falta ou parcimônia de orientação presente na escola, confirmando “a denúncia da lacuna” sinalizada por Kovács (2003b). Porém, se há um documento oficial – os Parâmetros Curriculares Nacionais concernentes a níveis diferenciados de ensino – que dá suporte e norteia as instituições educacionais brasileiras nas variadas instâncias da atividade pedagógica, por que ainda existe essa lacuna?
Nesse sentido, foram propostas como questões para a minha investigação: os Parâmetros Curriculares Nacionais abordam essa temática? Como? Que subsídios teórico-metodológicos os docentes podem encontrar nesse documento oficial cujo objetivo é auxiliar as práticas curriculares e didático-pedagógicas exercidas nos estabelecimentos educacionais do país? Como professoras de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental trabalham com o conceito de morte na sala de aula? Como se comportam quando a morte, direta ou indiretamente, se faz presente no seu cotidiano profissional? Como enfrentam a perda por morte de um aluno durante o ano letivo? E, se nunca vivenciaram essa experiência, como pensam que agiriam frente ao falecimento de um aluno? Como lidam com o aluno que, há pouco, sofreu a perda de um ente querido? Por conseguinte, registro o meu interesse em: entender como a morte está/é inserida nas práticas curriculares e didático-pedagógicas; apontar a abordagem dos Parâmetros Curriculares Nacionais em torno do tema da morte; e compreender as percepções de professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental a respeito dessa temática.
Esses questionamentos me conduziram a buscar respostas na análise dos dados coletados através de uma investigação qualitativa do tipo etnográfica fazendo uso da aplicação de questionário a quatro professoras que atuam nas séries iniciais do Ensino Fundamental, no turno matutino, numa escola pública da rede estadual de ensino, situada num bairro da Zona Sul do município de Natal, no Estado do Rio Grande do Norte acrescida de uma análise realizada no texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais, na tentativa de encontrar trechos que abordassem o tema da morte, bem como de encontrar possíveis orientações didático-pedagógicas aos docentes brasileiros, a respeito da abordagem do assunto em âmbito escolar, em especial na sala de aula, a fim de perceber, principalmente, como essas quatro professoras – cada uma delas leciona em uma das séries iniciais do Ensino Fundamental – concebem o fenômeno da morte e como o tratam junto aos alunos.
Justificativa
A carência de salientar essa temática no ambiente da escola ocorre com a intenção de facilitar o diálogo sobre um tema tão complexo como é a morte para uma sociedade que o trata como um interdito, pensando em re-humanizá-lo, ao mesmo tempo em que os meios de comunicação o tratam de forma escancarada, expondo milhares de imagens que chegam aos lares por repetidas vezes e são assistidas por adultos, jovens e crianças da mais tenra idade. Poucos são os pais que educam os filhos para lidar com as perdas, principalmente aquelas referentes à morte, e são poucas as escolas que se dispõem a discutir essa temática. Pais e professores devem buscar falar às crianças que a existência humana é finita, oportunizando discutir, com clareza, questões filosóficas em casa e em sala de aula, favorecendo a construção de conceitos de vida e de morte (MATURANO apud SILVA, M., 2003; KOVÁCS, 2003a; 2003b).
Entretanto, apesar de haver despreparo e receio de pais e professores em discutir a morte, cotidianamente o cenário educacional oferece situações e conteúdos em que essa temática se encontra presente. Na Literatura e Língua Portuguesa, ela vem como tema de poemas e contos; em Ciências, é possível vê-la tanto direta como indiretamente associada a conteúdos como meio ambiente ciclo da vida, doenças, higiene e profilaxia; em História e Geografia, está relacionada a fatos, contextos históricos, ação individual e coletiva do homem, conflitos, guerras, desmatamentos, ocupação indevida do solo, catástrofes naturais, entre outras; em Artes, encontra-se representada em letras de músicas, em peças teatrais, em pinturas etc.
A morte refere-se também aos nossos projetos, às possibilidades que visualizamos e escolhemos no presente. Quando optamos por uma coisa, deixamos outra de lado; assim, podemos dizer que vivenciamos a perda ou a morte daquilo que deixamos de escolher. Todavia, em geral, o contato com a morte enquanto falência do corpo desperta uma série de sentimentos e pensamentos, parece nunca passar despercebida. Portanto, paradoxalmente, a morte faz-se presente na sala de aula, mas não encontra espaço para discussão.
A morte ainda permanece velada na prática escolar, porque a nossa cultura não a incorpora como o término do ciclo natural da vida. Para muitos ocidentais, pensar na morte desperta o afastamento, o silêncio e o medo do desconhecido. Tomam-na como um castigo, a possibilidade de “um nunca mais”. Parece que só aquelas pessoas que acreditam na vida após a morte se sentem amparadas pela crença e menos temerosas. Essa percepção parte da idéia de que pessoas praticantes de uma crença religiosa tendem a ser menos ansiosas e mais seguras, ao abordar estudos do conflito entre ciência e fé e ao apontar os ensinamentos das religiões cristãs como base da diminuição da ansiedade e da insegurança do indivíduo na sociedade atual (MIRANDA apud SANTOS, 2003).
Essa atitude diante da morte ocorre porque, de acordo com Cassorla (apud VOMERO, 2002), é na religião que o indivíduo encontra respostas para as suas incertezas sobre por que vive, por que morre e o que acontece após a morte. Essas possíveis certezas fazem com que ele conviva melhor com a sua finitude. Porém, diante da probabilidade da existência de uma vida pós-morte, o ser humano encontra conforto e certeza da continuidade da mente e do espírito. Segundo Vomero (2002), o homem busca nas crenças religiosas explicações para o fenômeno da morte. Pessoas com forte grau de envolvimento religioso, independente da crença, podem apresentar menos medo de morrer, porque a fé ajudaria a superar a ansiedade em relação à idéia de finitude (KOVÁCS, 2003a; 2003b).
No decorrer das últimas cinco décadas, assistimos a um fenômeno curioso na sociedade industrial capitalista: à medida que a interdição em torno do sexo foi relaxando, a morte foi-se tornando um tema proibido, uma coisa inominável. A partir dos anos de 1950, vem aumentando a preocupação em iniciar a criança cada vez mais cedo nos “mistérios da vida”: mecanismos do sexo, concepção, nascimento e métodos contraceptivos (MARANHÃO, 1996). No entanto, sistematicamente escondem dela a morte e os mortos, silenciando-se diante das suas interrogações e questionamentos. Enquanto isso, nas últimas décadas, desde cedo a criança recebe todos os ensinamentos da fisiologia do amor, mas ainda escuta a informação da morte de um ente querido através de metáforas, como “Ele foi para o céu”, entre outras. Usar frases conotativas para poupar a criança do sofrimento pode trazer-lhe dificuldades futuras em lidar com perdas, podendo causar-lhe problemas e angústias ao longo da sua vida (TORRES, 1999).
Esse sentimento do ser humano se converte no receio e até recusa de aceitar a morte como algo natural à sua própria espécie. Essa noção de imortalidade decorre do fato de o inconsciente humano não admitir o falecimento e a idéia de uma destruição total do ser, quando se trata dele mesmo (KÜBLER-ROSS, 1998). Logo, o grande desafio humano tem sido aprender a viver com a sua morte e a dos seus semelhantes; talvez o espaço escolar seja fundamental para que haja essa aprendizagem – o que justifica o nosso interesse por pesquisar a morte enquanto objeto de conhecimento escolar.
OS PCN DE 1ª a 4ª séries e a temática da morte.
Ao analisar esses referenciais que propõem auxiliar o professor a refletir a sua prática docente, foi possível constatar que a morte se fazia presente de forma direta ou subjacente nos conteúdos relacionados pelo Ministério de Educação e Cultura – MEC, obedecendo aos seguintes critérios: em Ciências Naturais, a morte aparece na forma implícita em várias reflexões do referencial como esta extraída da página 24: “Hoje, quando se depara com uma crise ambiental que coloca risco a em vida do planeta, inclusive a humana, o ensino de Ciências Naturais pode contribuir para uma reconstrução da relação homem-natureza em outros termos”. E, de forma mais direta, a morte se apresenta quando é proposto pelo documento, o estudo da interdependência entre os organismos vivos e as relações deles com o meio onde habitam. Estas relações podem ser enfatizadas nos estudos das teias e cadeias alimentares quando se faz necessário a morte de um ser para que outro sobreviva. A morte também é realçada quando é sugerido pelo referido documento que o professor em seus procedimentos valorize a extração de recursos naturais, como o petróleo. Aí se observa a morte, nesse conteúdo, na decomposição de restos de seres vivos. Outro conteúdo também a ser explorado é a concepção de corpo humano como um sistema integrado percebido como um todo articulado em equilíbrio, onde a doença deve ser vista como um estado de desequilíbrio do corpo. Dessa forma, o ser humano como ser vivo tem seu ciclo vital: nasce, cresce se desenvolve, se reproduz e morre. Mas, é importante frisar que esse ciclo vital não pertence apenas ao indivíduo, ele é um processo de cada espécie.
Observando o bloco temático que envolve os recursos tecnológicos, os PCN de Ciências Naturais enfocam a utilização dos aparelhos, máquinas e instrumentos como produto necessário à vida humana apontando o desenvolvimento da tecnologia brasileira com o aumento da estocagem de alimentos e de remédios. Mas afirma que, todo esse avanço da indústria alimentícia, da farmacêutica e da medicina não foi suficiente para acabar com a desnutrição e a mortalidade infantil.
No bloco temático ambiente, foi possível encontrar uma sugestão para que o professor ao explorar o estudo dos seres vivos, ressalte os animais extintos ou em extinção e ao se ater ao estudo da reprodução dos vegetais, explore aqueles com ciclo vital curto. Nestas duas observações a palavra morte pode ser detectada nas entrelinhas.
Também de forma subentendida a morte como a etapa final do ciclo da vida, foi notado no bloco temático: ser humano e saúde, na seguinte citação:
Ao investigar o ciclo de vida dos seres humanos o professor pode solicitar aos alunos que coletem algumas figuras ou retratos de pessoas em diferentes fases da vida: bebê, criança, jovem, adulto e idoso. A partir dessa coleção, professor e alunos podem organizar um painel em que as diferentes idades sejam apresentadas em seqüência, construindo-se, assim, uma representação do ciclo de vida do ser humano. Essa representação se enriquece com figuras de mulheres grávidas, iniciando novos ciclos. (PCN, v.4 p.71).
Todavia, na página seguinte do mesmo documento encontramos a morte explicitada na seguinte sugestão: “É importante que as crianças entrem em contato com a idéia de que a vida compreende a morte, parte do ciclo vital da espécie humana e de todos os seres vivos” (p.72). E na página 90, também é sugerido que o professor ao citar a noção de fertilização do solo enfatize “a ação de seres decompositores sobre os restos de animais e vegetais mortos, beneficiando o solo”.
Constituídos nesse documento como uma proposta que privilegia o tempo presente, partindo da realidade do cotidiano do aluno, os conteúdos programáticos de História é parte “integrada a um contexto mais amplo, que inclui os contextos históricos”.(p.43) Eles se apresentam delimitados em três conceitos fundamentais: o de fato histórico, de sujeito histórico e de tempo histórico. Em todos esses conceitos fica registrada a ação humana e o heroísmo de uns contra a fraqueza de outros. Isto fica aparente quando são estudados conflitos, guerras e batalhas enaltecendo os grandes vultos da nossa história ou de outros povos.
Porém, essas reflexões geralmente, trazem sempre a temática da morte de forma clara ou nas suas entrelinhas principalmente, se estiverem relacionados com o patrimônio sócio cultural de grupos sociais, distantes no tempo e no espaço.
Quanto ao estudo da Geografia, os PCN abordam o papel da natureza e a sua relação com a ação individual ou coletiva do homem na construção do espaço geográfico. Discutir o papel da natureza nos remete à temática da morte, se considerar as grandes catástrofes que assolam a humanidade tais como os vulcões, terremotos, maremotos, enchentes e deslizamentos de terra. Mas, se levar à discussão para as realizações humanas, a morte aparecerá como conseqüência de diversos fatores, como: o desmatamento, as grandes queimadas, a densidade demográfica, as péssimas condições de moradia, a ocupação indevida do solo e a contaminação dos rios e dos lençóis freáticos, entre outros. Nos conteúdos de Artes a palavra morte também se encontra presente nas letras de músicas, em títulos de espetáculos, em pinturas e nos demais legados de um povo.
O referencial de número nove, que trata dos Temas Transversais, Meio Ambiente e Saúde, enfocam a morte, quando afirma que uma simples alteração de um ecossistema “pode ser nociva e até fatal para o sistema como um todo” (p.20). Na mesma página, quando é citada que a extensão da monocultura poderá “determinar a extinção regional de alguma espécie” de vegetais ou animais também está tratando da morte. Ela vai ser citada nas entrelinhas na página 23 quando é comentado que se um desastre atômico viesse a ocorrer todas as formas de vida seriam afetadas. E, ainda mais, que “não é só o crime ou a guerra que ameaça a vida, mas também a forma como se gera, se distribui e se usa a riqueza, a forma como se trata a natureza”. O impacto ambiental provocado pela ação do homem, explicitado na nota de rodapé, da página 33 é mais um exemplo da presença da morte nas entrelinhas.
No item falsos dilemas, ao ater-se a algumas visões distorcidas sobre a questão ambiental, podemos observar a presença da morte de forma bastante clara em: “É um luxo e um despropósito defender, por exemplo, a vida do mico-leão-dourado, enquanto milhares de crianças morrem de fome ou de diarréia na periferia das grandes cidades, no Norte e no Nordeste” (p.45). É considerado falso, segundo o documento, porque não é pelo fato de deixar se extinguir qualquer espécie que crianças possam ser salvas de morrer de fome. O que vitima as inúmeras crianças é à falta de condições mínimas de sobrevivência, imposta pela miséria que assola a pobreza.
Apontado também como falso dilema, ao afirmar que “se idealiza a natureza, quando se fala da ‘harmonia da natureza’. Como é que se pode falar em ‘harmonia’, se na natureza os animais se atacam violentamente e se devoram? Que harmonia é essa?” (p.46). A temática da morte aí presente, responde que “o impulso de sobrevivência que leva um animal a matar outro favorece a manutenção do equilíbrio da natureza”. E mais, “os animais matam para se defender ou para se alimentar, mas jamais matam inutilmente”. Continuando a responder diz que “matar e morrer, aqui, são disputas entre formas de vida” (p.47). E ainda garante que na harmonia da natureza “cada um desempenha seu papel e para tudo há uma função, inclusive para a morte”. Prosseguindo, a morte aparece novamente, mas sem função. É quando ela devasta a natureza causando um desequilíbrio e desarmoniza a natureza.
Apresentados como sugestão, os critérios de seleção e organização dos conteúdos, estimulam o professor, a tratar na sala de aula, de natureza integrada desenvolva, numa rede de interdependência, as questões de vida-e-morte, entre outras. E quando citar os ciclos da natureza trate de como os seres vivos transitam em elos de vida e morte evidenciando o ciclo da matéria orgânica. No entanto, nos critérios de avaliação, espera-se que o aluno observe as diferentes formas de vida, a existência dos processos de transformação e perpetuação da vida, mas a morte não é contemplada.
Contudo, o tema saúde, no item chamado “Ampliando o horizonte”, a morte volta ao cenário quando se afirma que “por melhores que sejam as condições de vida, necessariamente convive-se com doenças, problemas de saúde e com a morte”. Ainda nesse item será tratada a questão da morte prematura devido à desnutrição infantil e a morte por doenças cardiovasculares ocasionada por diversas causas, mas principalmente, pelo estresse.
Concepções de morte em relatos de professoras de séries iniciais do ensino fundamental
. Ao iniciar a pesquisa, em junho de 2005, não houve por parte das professoras resistência ao responder os questionários. Elas foram identificadas através de códigos de letras: MPPS, NBSS, MDTS e GIQS, para terem preservado a sua identidade e garantir o sigilo das suas respostas. O instrumental se compõe de seis questões fechadas que envolvem dados pessoais e dados referentes à formação docente, com vista a concretizá-los; e nove questões dissertativas sobre os aspectos principais desse estudo, a saber: conceito de morte; como trabalha a temática com os alunos; relato da perda por morte de um aluno; como trabalhar esse tema com a turma; como trabalhar o tema com um aluno que acaba de perder um ente querido; e indagações quanto aos Parâmetros Curriculares Nacionais e o tema em foco.
A idade das professoras sujeitos da pesquisa variava entre 31 a 50 anos, todas se disseram católicas e quanto aos anos de trabalho na docência, duas entrevistadas possuem entre 10 e 20 anos e duas entre 21 e 30 anos. Durante todo esse tempo, elas vêm atuando no exercício da docência em sala de aula. Essas informações aliadas à idade cronológica delas sugerem uma maior maturidade pessoal e profissional, podendo incidir num tratamento significativo sobre a temática da morte junto aos alunos, uma vez que, devido a esse tempo de vida e de experiência na docência, elas provavelmente já mantiveram contato com situações que envolvessem a perda de algum membro do corpo discente ou de pessoas próximas aos alunos.
As professoras entrevistadas possuem formação acadêmica em nível de terceiro grau completo.Formaram-se há menos de cinco anos. Isso assinala que o tempo de experiência em sala de aula é superior aos anos de formação docente. Essa atitude busca corresponder às exigências da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, Lei 9.394/96, que prescreve o nível superior de escolaridade para que um professor possa lecionar a partir da primeira série do Ensino Fundamental. Em conseqüência dessa formação, espera-se que os conhecimentos aprendidos contribuam para um melhor desenvolvimento de sua prática didático-pedagógica. Três professoras lecionam apenas nesse estabelecimento de ensino, ocupando profissionalmente apenas um turno do seu dia. Em turno diferente, somente MPPS atua em outro estabelecimento de ensino, uma escola privada da Zona Sul de Natal (RN), cuja clientela é de classe média e média alta. Ela é uma das mais jovens e das que tem menos tempo de serviço.
Aquelas que não trabalham em outro turno concentram o seu tempo livre principalmente em afazeres domésticos, sem preocupação com atividades docentes extra-sala de aula. Todas – inclusive aquela que trabalha em uma escola diferente em cada turno do dia – informaram que não levam atividades escolares para resolverem em casa, ou seja, correção das atividades discentes, planejamento e outras são sempre cumpridos na escola. Em relação à temática da morte, será que a professora que transita por outro ambiente de trabalho – no caso, uma escola privada, cuja clientela é diferente daquela atendida pelo locus da pesquisa – vivencia experiências distintas em cada um desses estabelecimentos em que atua? Como esse contato com clientelas distintas pode influenciar na sua prática didático-pedagógica, em especial quanto ao tema da morte? Embora não tenha feito essas perguntas à entrevistada, posso inferir que há certa indiferença dela em relação ao assunto, independente do local de sua atuação, já que, em sua fala, é recorrente um argumento contra a necessidade de abordar a morte junto a seus alunos da primeira série, que têm entre 7 e 8 anos de idade.
Questionadas quanto ao conceito de morte à incidência nos indicadores das respostas sinaliza para o termo difícil, muito difícil e conceito muito forte, o que leva a perceber que a palavra morte é um assunto velado por MPPS e GIQS, já que causa desconforto quando tem de ser abordado. Ao serem indagadas quanto ao conceito de morte, as expressões gerar conflito e muito polêmico apontam proximidades semânticas e refletem à percepção da cultura ocidental contemporânea, que trata a morte como uma coisa temível e assustadora (KOVÁCS, 2003a; ARIÈS, 1977).
Nas respostas das professoras NBSS e MDTS, as expressões uma nova vida e começo da vida eterna refletem à percepção da cultura oriental, que vê a morte como um momento de transição e de evolução (KOVÁCS, 2003a). Paradoxalmente, esses dados contradizem a prática religiosa indicada por elas que são católicas e, ao mesmo tempo, acreditam em reencarnação, que é uma crença típica de religiões espiritualistas. Contrapondo-se à perspectiva ocidental da morte, Kübler-Ross (1991, p.39) acredita que “a morte nada mais é do que o abandono do corpo físico […]. É uma transição para um estado de consciência mais amplo, no qual você continua a perceber, a entender, a sorrir e pode continuar se desenvolvendo”.
A questão que aborda a prática da religião católica quanto a temática da morte obteve como resposta: com dificuldade e GIQS afirma ser com poucos conhecimentos. Nas respostas de MPPS e NBSS, os trechos outra vida e acredito na reencarnação sinalizam uma contradição em sua prática religiosa, ou seja, são praticantes do catolicismo, mas acreditam no espiritismo, crendo na vida após a morte. NBSS já aponta certo posicionamento diante do assunto, no trecho nunca debati este assunto em sala de aula. As respostas de NBSS e MDTS repercutem o pensamento de Comênio (1971, p.338): “a morte do homem, porque não traz ao homem o fim, mas apenas o transporta para outro lugar, não extingue o pensamento, os desejos e os esforços, mas fá-los tender para mais além”. Logo em seguida, esse autor acrescenta que ”A morte é apenas o ponto ou o gonzo sobre o que gira a eternidade”.
As religiões têm exercido poderosa influência nas atitudes dos indivíduos com relação à transcendência. Para o catolicismo, a vida após a morte está inserida na crença cristã da ressurreição, enquanto que, para o espiritismo, a vida depois da morte se reveste de substancial significado, da reencarnação. Talvez essas informações possam confundir-se no pensamento das entrevistadas, não diferenciando ressurreição de reencarnação[1].
A falta de resposta definitiva por parte da ciência quanto ao paradeiro do ser após a morte faz com que o homem busque explicações nas crenças religiosas. Como afirma Cassorla (apud VOMERO, 2002, p.41), “na religião o indivíduo convive melhor com a finitude porque lá encontra certezas sobre porque vive, porque morre e o que acontece após a morte”. Concepção semelhante encontra-se presente em Vomero (2002, p.41), ao afirmar que “é também por meio da aceitação da impermanência humana que a religião ajuda a suavizar o sofrimento causado pela finitude”.
Na pergunta, como você trabalha com a temática da morte com seus alunos?A resposta de MPPS – não trabalho, eles são muito pequenos para entender, prefiro evitar e não sou de acordo abordar –, é possível pressupor que há em seu discurso uma visível negação da morte, velando-a com a idéia de que os alunos não têm maturidade para lidar com esse sentimento de perda, conforme citado anteriormente. Essa concepção vai de encontro ao pensamento de Bromberg (2001), a qual assegura que, aos dois anos de idade, a criança já é capaz de entender a morte ou o desaparecimento de um animal de estimação, a ausência dos seus pais e a morte dos personagens dos desenhos animados. Porém, essa autora afirma que, antes de completar quatro anos, a criança ainda crê que todas essas situações são reversíveis. Segundo essa estudiosa, isso é constatado através do sentimento de angústia observado nos desenhos feitos por essas crianças e pelas brincadeiras entre elas.
De acordo com Kübler-Ross (1998, p.10), permitir que as crianças participem de conversas que envolvam essa temática “é uma preparação gradual, um incentivo para que encarem a morte como parte da vida, uma experiência que pode ajudá-las a crescer e amadurecer”. Para essa pesquisadora, na sociedade em que a morte é considerada tabu, “os debates sobre ela são considerados mórbidos e as crianças são afastadas com o pretexto de que seria ‘demais’ para elas”.
O registro de NBSS sobre a temática da morte – uma coisa natural e todo ser humano vai passar por isso – vai de encontro à visão ocidental contemporânea sobre a morte, que a toma como algo maldito, como já foi comentado em vários trechos deste trabalho. Por sua vez, remete ao homem do século XVII, que era bastante socializado, mas essa condição não o afastava da natureza. Em outras palavras, a familiarização do homem dessa época com a sua finitude o fazia sujeitar-se à ordem natural, aceitando a morte sem desviá-la ou colocá-la num patamar de prestígio, apenas a acatava com serenidade (ARIÈS, 1977). A concepção de NBBS de que a morte é um mero evento biológico entra em conflito com a concepção de que há vida após a morte – pensamento este, contudo, já apresentado pela mesma entrevistada nos quadros 7 e 8 – e aponta que, mesmo diante da morte, escondida hoje nos hospitais, ainda permanece resquício da cultura ocidental da Idade Média, quando a morte era vista com naturalidade, até mesmo pelo moribundo.
Na frase nunca falei, pois não vi oportunidade, MDTS contradiz o que Kovács (2003b) defende: que a morte é um tema que deve ser abordado na escola, porque é na instituição escolar que a criança passa uma grande parte de sua vida. Esse pensamento é defendido por Kovács (2003b, p.35), quando afirma que,
na atualidade, muitas das mortes que ocorre em família e as ligadas ao âmbito público ou coletivo, são testemunhadas pelas crianças; neste último caso, as informações vêm pela televisão, elas fazem perguntas, querem respostas e necessitam de ajuda. Só para citar dois episódios marcantes, lembremo-nos do ressente evento nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001 – que acarretou milhares de perdas, abalando, inclusive os pilares do capitalismo e da segurança – transmitido e retransmitido para todas as partes do mundo, proporcionando que crianças vissem muitas imagens de morte e destruição; recordemos, também, que crianças viveram e reviveram o desenlace de Ayrton Senna, em 1994, e devem ter feitos inúmeras perguntas por que um ídolo não é imortal.
Na resposta dada por GIQS, quanto à forma de abordar a temática da morte na sala de aula, os trechos muito difícil e porque é um sentimento parecem demonstrar que os adultos geralmente tendem a poupar os mais jovens do sofrimento da perda e, com isso, acabam deixando de falar na morte com a criança com naturalidade. As frases passar o tema com palavras fáceis, através de uma história, um tema que está passando na televisão e jogar a história dentro da morte indicam estratégias comparáveis com os recursos facilitadores apresentados por Kovács (2003b), conforme sugestão em anexo. Entretanto, fáceis e um tema que está passando na televisão também podem assinalar uma estratégia de escamoteamento, de amenização ou de desvalorização do tema, muito comum através do uso de metáforas.
A questão que infere sobre a perda por morte durante a docência tem respostas positiva nos relatos de MPPS e GIQS que sinalizam um assassinato e um atropelamento. Esses dois tipos de mortes violentas estão se tornando corriqueiras não só nos grandes centros urbanos, como também em pequenas cidades brasileiras. O trecho foi assassinado demonstra um ato gerado pela criminalidade que assola o país e foi atravessar a rua na frente do ônibus parece indicar uma morte gerada pelo descuido da vítima. Em ambos os casos, a morte é considerada como “escancarada porque ocorre nas ruas, na frente de quem estiver por perto, sem máscaras ou anteparos. Todos a vêem, inclusive as crianças” (KOVÁCS, 2003b, p.141). Esse tipo de morte se mostra bastante presente no dia-a-dia da clientela atendida por algumas escolas públicas de Natal (RN), como no caso do locus desta pesquisa, refletindo um cenário que parece comum em inúmeras e diversas cidades brasileiras, de acordo com o que se pode acompanhar nos meios de comunicação massivos.
Ao serem perguntadas se já haviam evidenciado a morte de um parente próximo de seu aluno e como esse acontecimento foi tratado, MDTS e GIQS responderam positivamente. Ambas afirmaram que só uma vez tinham passado por tal situação, mas segundo a primeira, a sua aluna não havia sentido a falta do pai porque ele não morava mais com a família.MDTS mostra que a morte de um parente em primeiro grau de uma das suas alunas não parece ter afetado essa mesma aluna. Sob o argumento de que há um distanciamento entre aqueles, a professora parece omitir o seu desinteresse em abordar o assunto da morte, já que, em questão anterior, ela afirma que não o explora por falta de oportunidade. Porém, se ocorre o falecimento do pai de uma aluna, não seria um motivo para a abordagem dessa temática em sala de aula?
Quanto a GIQS, ela relata a sua experiência, quando aconteceu a morte de avô ou avó de um aluno muito pequena, mas confessa ter abordado o assunto medindo as palavras porque segundo ela a morte é um sentimento e nos sentimentos ninguém pode mexer. Em seu discurso, há uma tentativa de afastar esse fato do seu quotidiano, julgando frágil à maturidade sentimental da criança, dizendo que esta não está preparada para discutir tal tema. Ela informa que trabalha com essa realidade muito devagar, medindo as palavras, afirmando ter cuidado em lidar com os sentimentos variados que a criança possa apresentar. Este trecho repercute em outra fala da mesma entrevistado, quando considera o assunto muito difícil e muito polêmico. Aqui, nessa questão, ela reforça esse seu pensamento, quando diz cuidar das palavras para não mexer com os sentimentos dos alunos – porque é um sentimento e nos sentimentos ninguém pode mexer muito.
Conseqüentemente, noto que as entrevistadas acima recorrem na negativa da necessidade de abordar o tema da morte na escola. Percebo que, embora haja oportunidades, elas as negam, sob a justificativa da imaturidade infantil, segundo elas, contradizendo o que estudiosos da área da Tanatologia sinalizam. Bromberg (apud SILVA, 2003), por exemplo, orienta que o professor, “ao receber o aluno, diga que você sabe que ele perdeu uma pessoa querida e que está à disposição para conversar. Acolher e dar carinho são os melhores remédios nessa hora. Mostre que a morte não é um castigo, mas um acontecimento natural”. Mascarar o problema, utilizando metáforas de que o seu ente querido foi viajar ou coisa parecida poderá gerar expectativas de que ele voltará, acarretando ansiedade na criança.
Quanto à sua formação acadêmica e os conhecimentos sobre a temática da morte, apenas GIQS aponta ter tido acesso ao assunto, afirmando assim: lembro de um professor ter falado de forma superficial sobre a morte, mas não fez nenhum aprofundamento. A fala dela vem confirmar o pensamento de Kovács (2003b), de que profissionais que podem presenciar a morte no seu cotidiano, com maior facilidade do que em outras profissões, ainda carecem de reflexão e aprofundamento sobre esta temática, como é o caso de médicos, psicólogos, enfermeiros e professores. Nesse sentido, o trecho é por isso que nós, professores, não temos esse preparo para falar de morte indica a necessidade de uma formação mais direcionada, advinda dos cursos de formação.
GIQS denuncia que os professores não são preparados nem cobrados sobre o tema da morte ao longo da formação acadêmica, sinalizando que, no âmbito da educação, onde a morte se faz presente, não encontra espaço de discussão. Essa situação intriga Kovács (2003b), que reconhece a presença dessa temática no universo escolar, levadas pelas perdas e mortes enfrentadas pelas crianças, na mais tenra idade, e ainda pela forma escancarada como as notícias que envolvem a morte chegam aos seus lares, veiculadas pelos meios de comunicação. Dessa forma, GIQS assume existir em sua formação docente uma lacuna de como lidar com a temática da morte, no cotidiano escolar.
A carência de estudos ligando o tema da morte à educação foi sentida por Kovács (2003), durante sua pesquisa bibliográfica, quando assegura não haver encontrado nenhuma referência envolvendo a morte ao âmbito da educação e a formação de professores. No entanto, essa pesquisadora aponta as denúncias que vem recebendo ao longo da sua vida profissional, advindas de professores que igualmente às professoras colaboradoras desse trabalho sentem a lacuna existente em sua formação docente na condição de trabalhar com a temática em foco na sala de aula.
A questão que indaga se as informantes já haviam consultado os Parâmetros Curriculares Nacionais e quais as temáticas de maior relevância abordadas neles as sua respostas apontaram meio ambiente, sexualidade e saúde como temáticas de maior relevância para as quatro professoras entrevistadas. Ecologia e família tiveram o segundo realce, sendo citados por três dos quatro sujeitos. Todos os temas destacados se encontram nos Temas Transversais e são temáticas em que a morte aparece contemplada diretamente ou de forma subjacente, conforme consta no item deste trabalho que analisa os Parâmetros Curriculares Nacionais. O quesito que interpela se os Parâmetros Curriculares Nacionais abordam a temática da morte e como recebeu todas as respostas negativas: MPPS afirma: “em momento algum me deparei com a palavra morte; NBSS”, desconheço, ainda não senti necessidade de procurar este tema, nem para aumentar os meus conhecimentos, nem para usar na sala de aula”; MDTS, “desconheço, pois não procurei este assunto”; GIQS,” os Parâmetros não abordam o tema morte, deixando a desejar”.
As informações colhidas quanto à presença da temática da morte nos Parâmetros Curriculares Nacionais das séries iniciais do Ensino Fundamental sinalizam para o desconhecimento dos sujeitos pesquisados quanto à inserção da referida temática nos PCN. Contraditoriamente, as temáticas eleitas como mais relevantes pelas entrevistadas no quadro anterior se encontram nos PCN de Ciências Naturais, de Meio ambiente e saúde e de Pluralidade cultural e orientação sexual, volumes em que mais se registra a temática da morte de seres vivos, incluindo o ser humano. Mesmo assim, MPPS afirma que Em momento algum me deparei com a palavra morte. Já GIQS é ainda mais incisiva: Os Parâmetros não abordam o tema morte, deixando a desejar. Associando-se esses a outros dados já registrados em outros quesitos, infere-se que essas professoras não perceberam nesse documento os vários conteúdos que contemplam a temática da morte, como aludo na parte 2 deste trabalho. Ao contrário dessas entrevistadas, as demais foram categóricas em registrar o seu desconhecimento e desinteresse em buscar o assunto nos PCN.
Na última questão que interroga se a informante já encontrou subsídios para tratar da morte em sala de aula em algum material didático pedagógico,O resultado obtido com as respostas dos sujeitos da pesquisa aponta para uma negação do tema da morte na sala de aula. MPPS, ao afirmar veemente que não trabalha com esse tema e que não houve necessidade, mascara o seu possível despreparo e insegurança frente ao assunto, elegendo a pouca idade dos seus alunos como fator primordial de impedimento. NBSS desconhece os recursos didático-pedagógicos que dão suporte ao professor das séries iniciais do Ensino Fundamental na abordagem do tema da morte. GIQS aponta que o professor não encontra recursos com facilidade para trabalhar com essa temática, pois ela considera um assunto que o professor não encontra [recursos didáticos] com facilidade para trabalhar. Parece demonstrar que a dificuldade não está em encontrá-los, mas em saber quais são eles e como utilizá-los.
Assim, diante da análise das respostas das professoras entrevistadas, observo que essas educadoras reconhecem que existe uma lacuna em sua formação profissional de como lidar com a morte na sala de aula e manifestam dificuldades em discutir e abordar essa temática com os seus alunos em sua prática docente (cf. OYAMA, 1999). Em contraposição à declaração delas quanto à escassez de material didático-pedagógico, Kovács (2003b, p.57) afirma que ”há uma vasta literatura infantil que aborda o tema, inclusive no Brasil, que traz, na forma de histórias, os principais medos das crianças, como se pode observar em várias obras de Rubem Alves”[2]. Além disso, ela realça o “Falando de Morte”, um projeto direcionado a diversos segmentos sociais e faixas etárias, que tem como objetivo principal sensibilizar a comunicação sobre o tema da morte e que foi criado pelo Laboratório de Estudos sobre a Morte (LEM), instituição que fornece assessorias, gravações e publicações nessa área.
Considerações finais
Diante dessas constatações que evidenciam a presença da temática da morte nos PCN, por que a morte permanece oculta na prática pedagógica das instituições educacionais? Como persistir em recusá-la, se a cada dia, nas grandes cidades, os casos envolvendo a morte de dezenas de pessoas são noticiadas em todos os meios de comunicação, em horário nobre, quando adultos e crianças recebem a realidade nua e crua? E os acontecimentos em que professores e alunos se tornam vítimas dentro da própria escola? Portanto, a educação não pode deixar de refletir sobre os fenômenos naturais e sociais ocorridos dentro e no entorno da escola, como também na esfera mais ampla da sociedade. Nem o professor pode continuar evitando abordar a morte no seu quotidiano escolar, como se ela não existisse ou estivesse fora da sua realidade. É interessante que ele busque conhecimentos voltados a uma educação para a morte, a fim de desconstruir esse tema enquanto tabu na sala de aula, em todos os níveis de educação, a fim de constituí-lo enquanto objeto de sua prática docente.
REFERÊNCIAS
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______. O homem diante da morte. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: 3. ed. Brasília, 2001.
BROMBERG, Maria Helena Pereira Franco. Morte não é castigo, Isto é, São Paulo, p.5-9, abr. 1999. Entrevistadora: Janete Leão Ferraz.
COMÊNIO, João Amós. Pampaedia: Educação Universal. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1971.
KOVÁCS, Maria Júlia. Educação para a morte: temas e reflexões. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003a.
______. Educação para a morte: desafio na formação de profissionais de saúde e educação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003b.
KÜBLER-ROSS, Elisabeth. A morte: um amanhecer. São Paulo: Pensamento, 1991.
______. Sobre a morte e o morrer: o que os doentes terminais têm para ensinar a médicos, enfermeiras, religiosos e aos seus próprios parentes. Tradução de Paulo Menezes. 8.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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SILVA, Marly da. Meu aluno perdeu o pai. Devo tocar no assunto com ele? O que falar para a turma?, Revista Nova Escola, São Paulo, n.163, p.14, jun./jul. 2003.
TORRES, Wilma da Costa. A criança diante da morte: desafios. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.
VOMERO, Maria Fernanda. Morte, Superinteressante, São Paulo, n.173, p.36-46, fev. 2002.
[1] O termo ressurreição compreende uma nova vida daquele que morre e revive em seu próprio corpo, antes falecido. Já o termo reencarnação compreende um retorno à vida através de outro corpo, ou seja, o corpo morre, mas o espírito retorna em outro corpo. (HOLANDA, 2001).
[2] Entre as obras do autor sobre o tema, cito aqui: “O medo da sementinha” e “A montanha encantada dos gansos selvagens de Lili”. Outro livro importante é “A história de uma folha”, de Léo Buscaglia.