A Temática da Morte no Ensino Fundamental: Inquietações em torno do posicionamento do professor e dos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1ª a 4ª séries – Maria do Socorro Nascimento de Melo

A TEMÁTICA DA MORTE NO ENSINO FUNDAMENTAL:
Inquietações em torno do posicionamento do professor e dos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1ª a 4ª séries

Maria do Socorro Nascimento de Melo
Mestranda do Programa de Pós-graduação da UFRN

Introdução

A morte, única certeza que temos na vida, continua sendo tabu na sociedade ocidental. Os novos costumes exigem que a morte seja o objeto ausente das conversas educadas (MELO, 2000). E isto é o que parece estar ocorrendo no cotidiano escolar. Não só nas escolas de Educação Básica, mas também naquelas de Educação Superior. Falar a palavra morte causa pavor até mesmo em indivíduos com formação em nível de pós-graduação, inclusive professores atuantes em cursos de graduação, mestrado e doutorado, que afirmam não se encontrarem preparados para discutirem tal temática.

Questiono-me: se o professor de uma instituição formadora de profissionais para atuar nas diversas áreas do conhecimento não se acha preparado para tal discussão, como será a sua prática na formação de educandos para lidar com a morte ao longo da sua vida acadêmica, pessoal e profissional? Essa indagação me fez suscitar três questões: como o professor de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental lida com o conceito de morte na sala de aula? Como esse professor enfrenta a perda por morte de um aluno durante o ano letivo? E, se nunca vivenciou essa experiência, como esse professor pensa que agiria frente à morte de um aluno no decorrer do ano letivo? Dentre esses questionamentos, considero que é de fundamental importância uma análise mais detalhada do discurso de professores de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental, a partir da sua visão subjetiva do conceito de morte.

Ao situar o meu interesse pela visão do professor do Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries) sobre a temática da morte, tomo como referência dois motivos básicos: um de cunho pessoal e o outro técnico. O primeiro se refere à aquisição do conhecimento bibliográfico sobre a temática, por ocasião da elaboração da monografia “Ritos e rituais fúnebres: memória e tradição na cidade de natal”, a qual me serviu como instrumento parcial de avaliação para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais, com habilitação em Antropologia e Sociologia, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no ano 2000. E o segundo, pela inquietação surgida a partir da leitura de um artigo publicado na coluna S.O.S. sala de aula, na Revista Nova Escola, nº. 163, com o título “Como lidar com a morte”. O pedido de ajuda vinha de uma professora que não sabia como tratar com a realidade da morte, tanto com um aluno que acabava de perder o pai como com o restante da turma.

Apontamentos teóricos

De acordo com a psicóloga Maturano (2003), poucos são os pais que educam os filhos para lidar com as perdas inclusive as referentes à morte e são poucas as escolas que se dispõe a discutir a temática da morte. Essa autora sugere que tanto os pais quanto a escola busquem falar que a existência humana é finita, oportunizando discutir, com clareza, questões filosóficas na sala de aula, deixando que os alunos construam conceitos de vida e de morte.

Concepção semelhante é também partilhada por Kovács (2003), quando trata da formação dos profissionais de saúde, entre eles, médicos, enfermeiros e psicólogos, afirmando que mesmo tendo a morte no seu trabalho cotidiano, só nos últimos anos, os cursos de formação desses profissionais, têm aberto espaço para discussão do tema morte. Também cita o âmbito da educação como lugar onde a morte se faz presente na sala de aula e não encontra espaço de discussão.

O cenário educacional, cotidianamente, oferece tanto ao educador quanto ao educando situações e conteúdos em que a morte está presente. Na Literatura e Língua Portuguesa a morte vem como tema de poemas e contos; na Gramática, é denominada de substantivo e morrer é verbo da segunda conjugação; em Ciências, é possível vê-la subjacente a conteúdos como, meio ambiente, doenças, higiene e profilaxia, e o ciclo da vida. As disciplinas História e Geografia, que se complementam, abordam a temática da morte quando tratam os fatos e os contextos históricos, relacionando a ação individual ou coletiva do homem como: conflitos, guerras, desmatamentos, ocupação indevida do solo, entre outras, atreladas ao papel da natureza, como: as grandes catástrofes pela ação da natureza culminando em inúmeras mortes.

Entretanto, é nos conteúdos de Artes que a palavra morte se encontra mais aparente nas letras de músicas, em títulos de espetáculos, em pinturas e nos demais legados de um povo. Embora a morte seja um tema que muitos não gostem de falar, pode-se encontrar algumas músicas que se referem indiretamente ou de forma mais direta a ela, como esta de Cazuza, que retrata o cara a cara com a morte física, com o não ser:

Senhoras e senhores
Trago boas novas
Eu vi a cara da morte
E ela estava viva
Criei milhares de metáforas
E nada lhe falei
Das tripas coração
Do medo
Minha oração (Boas Novas)

No entanto, a morte não diz respeito apenas ao aspecto físico, a morte do corpo. Refere-se também aos nossos projetos, as possibilidades que visualizamos e escolhemos no presente. Quando escolhemos uma coisa, deixamos outra de lado, assim podemos dizer que vivenciamos a perda ou a morte daquilo que deixamos de escolher. Porém, há uma morte que não nos tira a vida, mas nos condena a uma existência ausente, frustrante, inautêntica. Essa morte é decretada por nós mesmos quando deixamos de nos apropriar plenamente da nossa existência a partir da apropriação da nossa própria morte, porque ela é uma possibilidade presente em nossas vidas o tempo todo.

Todavia, o contato com a morte, geralmente, nos desperta uma série de sentimentos e pensamentos, ela parece nunca passar despercebida. Mas, a morte ainda permanece velada na prática escolar porque a nossa cultura não a incorpora como o término do ciclo natural da vida.

Para a maioria, na sociedade ocidental a morte representa o afastamento, o silêncio e o medo do desconhecido. Pensa-se nela como um castigo, um nunca mais. Parece que só aquelas pessoas que acreditam na vida após a morte sentem-se amparadas pela crença e parecem menos temerosas. Essa percepção partiu do entendimento de que pessoas praticantes de uma crença religiosa são menos ansiosas e mais seguras, conforme Miranda (1979 apud SANTOS, 2003), ao abordar estudos do conflito entre Ciência e fé e apontar os ensinamentos das religiões Cristãs como base da diminuição tanto da ansiedade quanto da insegurança do indivíduo na sociedade atual.

Essa atitude diante da morte ocorre porque, de acordo com Cassorla (2001 apud VOMERO, 2002), é na religião que o indivíduo encontra respostas para suas incertezas sobre porque vive, porque morre e o que acontece após a morte. E estas convicções fazem com que ele conviva melhor com a sua finitude. Mas, é diante da probabilidade da existência de uma vida pós-morte, que o ser humano encontra, conforto e certeza da continuidade da mente e do espírito. Segundo Vomero (2002), o homem busca nas crenças religiosas, explicações para o fenômeno da morte. Ela afirma que pesquisas citadas pela psicóloga Maria Júlia Kovács, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre o Luto (LEM), do Instituto de Psicologia da USP, demonstram que pessoas com forte grau de envolvimento religioso, independente da crença, geralmente tem menos medo de morrer porque a fé ajuda a superar a ansiedade em relação à idéia de finitude.

Outrossim, Morin (1997) também assegura que a complexidade que envolve o fenômeno da morte provoca reações que vão desde uma resistência à sua aceitação até uma aceitação de fato consentida pela promessa de recompensas no além-túmulo. E mais, que a morte assume duas faces antagônicas: uma onde vai ocorrer à aniquilação completa do ser; a outra em oposição à natureza quando ocorre uma mudança de estado, saindo do natural para o sobrenatural sem o perigo da dissolução do morto.

Este sentimento do ser humano se converte na recusa de aceitar a morte como algo natural à sua própria espécie. Esta noção de imortalidade decorre, conforme Kubler-Ross (1998), porque o inconsciente humano não admite a morte e a idéia de uma destruição total do ser quando se trata dele mesmo. Pois, para o nosso inconsciente, só podemos ser morto. E assim, o grande desafio humano tem sido aprender a viver com a sua morte a dos seus semelhantes.

Esta percepção se encontra presente em Ariès (1977), quando ele sinaliza que a cultura ocidental estimula a idéia do fim da vida como punição e não incorpora a morte como parte da vida. Trata se de uma coisa temível e assustadora. Mas, segundo esse autor, nem sempre foi assim, pois até o final do século XVIII, a idéia que o Ocidente tinha da morte é que ela era um fato natural e, diante disso, a pessoa ao pressentir a proximidade de sua finitude, respeitando as formalidades de um ato solene já estabelecido, deitava-se em seu leito de onde presidia uma cerimônia pública aberta às pessoas da comunidade. Nesse momento, era importante a presença de parentes, amigos e vizinhos e, até as crianças participavam dos ritos da morte que se realizavam com simplicidade, sem dramaticidade ou demasiados gestos de emoção.

Porém, esse estudioso afirma que ainda nesse período, o homem das sociedades ocidentais já tende a dar à morte um sentido novo. A morte é a partir de então cada vez mais acentuadamente considerada como uma transgressão que arrebata o homem de sua vida quotidiana, de sua sociedade racional, de seu trabalho monótono para lançá-lo, então, em um mundo irracional, violento e cruel.

Ainda segundo esse autor, o período que vai desde a Alta Idade Média até a metade do século XIX, a atitude diante da morte mudou, porém de forma tão lenta que os contemporâneos não se deram conta. Na realidade, trata-se de um fenômeno absolutamente inaudito. A morte, tão presente no passado, de tão familiar e doméstica, vai se apagar e desaparecer. Torna-se vergonhosa e passa a ser objeto de interdição.

Durante a segunda metade do século XIX, de forma bastante geral, a morte deixa de ser vista sempre como bela, realçando-lhe até os seus aspectos repugnantes. E no início do século XX uma nova imagem da morte está se formando: a morte feia e escondida, no hospital, começada muito timidamente nos anos 30 e 40 e generalizada a partir de 1950. Agora já não é possível morrer no próprio leito, rodeado pelos familiares e na presença de crianças. O moribundo é encaminhado ao hospital onde espera a sua hora em silêncio e desacompanhado.

De 50 anos para cá, as atitudes do homem ocidental perante a morte mudaram profundamente, ocorrendo uma verdadeira ruptura histórica. Evidentemente, muitos traços ainda lembram os antigos costumes, porém, o seu sentido original foi esvaziado.

Portanto, numa sociedade como a nossa inteiramente direcionada para a produtividade e o progresso, não se pensa na morte e fala-se dela o menos possível. As novas atitudes do homem ocidental exigem que a morte seja banida das conversas sociais. Quando, porém, apesar de tudo é necessário se referir a ela, recorre-se a expressões que substituem a palavra morte por outra mais cortês ajudando a disfarçá-la. Assim, segundo Melo (2000), a sociedade ocidental contemporânea reduziu a morte e tudo a que ela está associada a um nada. Ao negar à experiência da morte a sociedade realiza a coisificação do homem.
Esse mesmo pensamento está presente em Maranhão (1996), quando ele afirma que no espaço das últimas cinco décadas assistimos a um fenômeno curioso na sociedade industrial capitalista: à medida que a interdição em torno do sexo foi se relaxando, a morte foi se tornando um tema proibido, uma coisa inominável.

Ainda segundo esse autor, a partir dos anos cinqüenta vem existindo uma grande preocupação de iniciar a criança cada vez mais cedo nos “mistérios da vida”: mecanismo do sexo, concepção, nascimento e métodos contraceptivos. No entanto, se esconde sistematicamente dela a morte e os mortos, silenciando diante das suas interrogações e questionamentos, como se fazia quando ela perguntava como eram feitos os bebês e como eles nasciam. A resposta era sempre que o neném era trazido pela cegonha ou então que ele havia nascido em um pé de couve.
Nas últimas décadas a criança recebe, desde cedo, todos os ensinamentos da fisiologia do amor, mas continua recebendo a informação da morte de um ente querido como: ele foi para o céu, está descansando num lindo jardim ou que a pessoa falecida foi fazer uma longa viagem. Usar metáfora para poupar a criança do sofrimento causado pela morte, pode trazer-lhe dificuldades futuras em lidar com perdas, podendo lhe causar problemas e sofrimentos ao longo de sua vida.

Para Franco (2001), psicóloga e coordenadora do Laboratório de Estudos e intervenção sobre o Luto (LELu), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, evitar falar na morte com criança é tão grave quanto utilizar metáforas já que as mesmas poderão gerar pensamentos confusos na criança fazendo-a acreditar no retorno da pessoa morta, reforçando fantasias que podem estimular a agressividade e levar a criança a desenvolver uma regressão de comportamento.

Todavia, faz-se necessário que haja gradualmente uma preparação e um incentivo para que a criança encare a morte como parte da vida. Essa preparação, segundo Kuble-Ross (2002), deve ocorrer com a criança participando das conversas e discussões sobre a morte para ganhar experiência que possa lhe ajudar “a crescer e a madurecer”. Pois, quanto mais consciente estiver de sua mortalidade menor a tendência de ver a morte como um acontecimento triste.

A preocupação de investigar como ocorre o desenvolvimento do conceito de morte na criança teve como pioneiro os estudos de Schilder e Wechsler em 1934, mas, as primeiras pesquisas só aconteceram em 1948, realizadas por Nagy. Cresceram na década de 60 e se intensificaram nos anos 70 e 80. A importância de estudar o desenvolvimento desse conceito na criança se dá, impreterivelmente, pelo fato de ser este um dos principais conceitos organizadores da vida que, segundo Torres (1999), causam impressão significativa na formação da personalidade e desenvolvimento cognitivo da criança. Sendo assim, assegura Franco (2001), que aos dois anos de idade a criança já é capaz de entender a morte ou o desaparecimento de um animal de estimação, da ausência dos seus pais e a morte das personagens dos desenhos animados. Todavia ela afirma que antes de completar quatro anos a criança acredita que todas essas situações são reversíveis. Essa autora diz que isto é constatado através do sentimento de angústia observado nos desenhos por elas produzidos e pelas brincadeiras com outros colegas.

No entanto, Torres (1999), afirma que o interesse de como as crianças conceitualizam a morte só surgiu nas últimas décadas, pois os pressupostos das duas grandes teorias do desenvolvimento – a psicanálise e a epistemologia genética – frearam as pesquisas sobre esse tema no momento em que: “a psicanálise ortodoxa afirma que as preocupações e os pensamentos acerca da morte somente aparecem depois do período edipiano, como produto do medo da castração e os teóricos piagetianos afirmam que a compreensão dos conceitos somente se dá quando as estruturas cognitivas da criança atingem as operações formais, no início da adolescência”.

Dessa forma, essa estudiosa acredita que as generalizações das duas teorias poderão levar a crer que a criança em fase de desenvolvimento anterior as que elas propõem não se encontram aptas para compreender a morte. De acordo com a sua concepção, a maioria dos estudos sobre a morte sinaliza para uma evolução do conceito que vai desde a fase pré-operacional, quando a criança ainda “não compreende a universalidade, a não funcionalidade e a irreversibilidade da morte” até a fase formal ou de conscientização que ocorre geralmente, a partir dos nove anos, quando ela fica ciente que morrer é irreversível e que todos vão morrer. E sendo assim, quando se morrer não desmorre como nos jogos virtuais e nos desenhos animados, quando os seus heróis têm muitas vidas. É importante falar para a criança que todos os seres vivos passam pelos processos onde nascem, crescem e inevitavelmente morrem. Isso é uma obviedade que boa parte da sociedade ocidental contemporânea insiste em esquecer ou escamotear.

Portanto, de acordo com o pensamento dessa autora é de extrema relevância que os pesquisadores insistam em investigar como as crianças percebem e conceituam a morte no decorrer dos diferentes estágios de seu desenvolvimento cognitivo e que a escola promova, em sua prática cotidiana, reflexões sobre a morte para que junta com os pais possa educar as crianças para que o tema deixe de ser tabu e sofrimento.

Análise dos PCN DE 1ª a 4ª séries: onde encontrar a morte?

Analisando os dez volumes que se destinam às quatro primeiras séries desse nível de ensino, foi possível constatar a presença da morte, em seu teor, de forma implícita e explícita na maioria desses volumes os quais se encontram organizados da seguinte forma: o volume um que é a introdução, documento que justifica e fundamenta a elaboração dos três volumes referentes aos Temas Transversais e os seis que se referem às áreas de conhecimentos: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, Arte e Educação Física.

Analisando esses referenciais que propõem auxiliar o professor a refletir a sua prática pedagógica, foi possível observar que a morte se expressa subjacente nos conteúdos relacionados pelo Ministério de Educação e Cultura – MEC, obedecendo aos seguintes critérios: em Ciências Naturais, a morte aparece na forma implícita em várias reflexões do referencial como esta extraída da página 24: “Hoje, quando se depara com uma crise ambiental que coloca risco a em vida do planeta, inclusive a humana, o ensino de Ciências Naturais pode contribuir para uma reconstrução da relação homem-natureza em outros termos”. E, de forma mais direta, a morte se apresenta quando é proposto pelo documento, o estudo da interdependência entre os organismos vivos e as relações deles com o meio onde habitam. Estas relações podem ser enfatizadas nos estudos das teias e cadeias alimentares quando se faz necessário a morte de um ser para que outro sobreviva. A morte também é realçada quando é sugerido pelo referido documento que o professor em seus procedimentos valorize a extração de recursos naturais, como o petróleo. Aí se observa a morte, nesse conteúdo, na decomposição de restos de seres vivos. Outro conteúdo também a ser explorado é a concepção de corpo humano como um sistema integrado percebido como um todo articulado em equilíbrio, onde a doença deve ser vista como um estado de desequilíbrio do corpo. Dessa forma, o ser humano como ser vivo tem seu ciclo vital: nasce, cresce se desenvolve, se reproduz e morre. Mas, é importante frisar que esse ciclo vital não pertence apenas ao indivíduo, ele é um processo de cada espécie.

No bloco temático que envolve os recursos tecnológicos, os PCN de Ciências Naturais enfocam a utilização dos aparelhos, máquinas e instrumentos como produtos necessário à vida humana apontando o desenvolvimento da tecnologia brasileira com o aumento da estocagem de alimentos e de remédios. Mas afirma que, todo esse avanço da indústria alimentícia, da farmacêutica e da medicina não foi suficiente para acabar com a desnutrição e a mortalidade infantil.

Observando o bloco temático ambiente, ficou constatada a sugestão para que o professor ao explorar o estudo dos seres vivos, ressalte os animais extintos ou em extinção e ao se ater ao estudo da reprodução dos vegetais, explore aqueles com ciclo vital curto. Nestas duas observações a palavra morte pode ser detectada nas entrelinhas.
Outro caso semelhante, porém com a supressão da morte como a etapa final do ciclo da vida, foi notado no bloco temático: ser humano e saúde, na seguinte citação:

Ao investigar o ciclo de vida dos seres humanos o professor pode solicitar aos alunos que coletem algumas figuras ou retratos de pessoas em diferentes fases da vida: bebê, criança, jovem, adulto e idoso. A partir dessa coleção, professor e alunos podem organizar um painel em que as diferentes idades sejam apresentadas em seqüência, construindo-se, assim, uma representação do ciclo de vida do ser humano. Essa representação se enriquece com figuras de mulheres grávidas, iniciando novos ciclos. (PCN, v.4 p.71).

No entanto, na página seguinte do mesmo documento encontramos a morte explicitada na seguinte sugestão: “É importante que as crianças entrem em contato com a idéia de que a vida compreende a morte, parte do ciclo vital da espécie humana e de todos os seres vivos” (p.72). E na página 90, também é sugerido que o professor ao citar a noção de fertilização do solo enfatize “a ação de seres decompositores sobre os restos de animais e vegetais mortos, beneficiando o solo”.

Os conteúdos programáticos de História estão constituídos nesse documento como uma proposta que privilegia o tempo presente, partindo da realidade do cotidiano do aluno “integrada a um contexto mais amplo, que inclui os contextos históricos.” (p.43) Eles se apresentam delimitados em três conceitos fundamentais: o de fato histórico, de sujeito histórico e de tempo histórico. Em todos esses conceitos fica registrada a ação humana e o heroísmo de uns contra a fraqueza de outros. Isto fica aparente quando se estuda conflitos, guerras e batalhas enaltecendo os grandes vultos da nossa história ou de outros povos.
Todavia, essas reflexões geralmente, trazem sempre a temática da morte de forma clara ou nas suas entrelinhas principalmente, se estiverem relacionados com o patrimônio sócio cultural de grupos sociais, distantes no tempo e no espaço.

No estudo da Geografia, os PCN abordam o papel da natureza e a sua relação com a ação individual ou coletiva do homem na construção do espaço geográfico. Discutir o papel da natureza nos remete à temática da morte, se considerar as grandes catástrofes que assolam a humanidade tais como os vulcões, terremotos, maremotos, enchentes e deslizamentos de terra. Mas, se levar à discussão para as realizações humanas, a morte aparecerá como conseqüência de diversos fatores, como: o desmatamento, as grandes queimadas, a densidade demográfica, as péssimas condições de moradia, a ocupação indevida do solo e a contaminação dos rios e dos lençóis freáticos, entre outros. Nos conteúdos de Artes apalavra morte também se encontra presente nas letras de músicas, em títulos de espetáculos, em pinturas e nos demais legados de um povo.

O documento de número nove, que trata dos Temas Transversais, Meio Ambiente e Saúde, enfoca a morte, quando afirma que uma simples alteração de um ecossistema “pode ser nociva e até fatal para o sistema como um todo” (p.20). Na mesma página, quando é citada que a extensão da monocultura poderá “determinar a extinção regional de alguma espécie” de vegetais ou animais também está tratando da morte. Ela vai ser citada nas entrelinhas na página 23 quando é comentado que se um desastre atômico viesse a ocorrer todas as formas de vida seriam afetadas. E, ainda mais, que “não é só o crime ou a guerra que ameaça a vida, mas também a forma como se gera, se distribui e se usa a riqueza, a forma como se trata a natureza”. O impacto ambiental provocado pela ação do homem, explicitado na nota de rodapé, da página 33 é mais um exemplo da presença da morte nas entrelinhas.

Ao ater-se a algumas visões distorcidas sobre a questão ambiental, podemos observar no item falsos dilemas, a presença da morte de forma bastante clara em: “É um luxo e um despropósito defender, por exemplo, a vida do mico-leão-dourado, enquanto milhares de crianças morrem de fome ou de diarréia na periferia das grandes cidades, no Norte e no Nordeste” (p.45). É considerado falso, segundo o documento, porque não é pelo fato de deixar se extinguir qualquer espécie que crianças possam ser salvas de morrer de fome. O que vitima as inúmeras crianças é à falta de condições mínimas de sobrevivência, imposta pela miséria que assola a pobreza.

Outro falso dilema apontado afirma que “se idealiza a natureza, quando se fala da ‘harmonia da natureza’. Como é que se pode falar em ‘harmonia’, se na natureza os animais se atacam violentamente e se devoram? Que harmonia é essa?” (p.46). A temática da morte aí presente, responde que “o impulso de sobrevivência que leva um animal a matar outro favorece a manutenção do equilíbrio da natureza”. E mais, “os animais matam para se defender ou para se alimentar, mas jamais matam inutilmente”. Continuando a responder diz que “matar e morrer, aqui, são disputas entre formas de vida” (p.47). E ainda garante que na harmonia da natureza “cada um desempenha seu papel e para tudo há uma função, inclusive para a morte”. Prosseguindo, a morte aparece novamente, mas sem função. É quando ela devasta a natureza causando um desequilíbrio e desarmoniza a natureza.

Os critérios de seleção e organização dos conteúdos trazem uma sugestão para que o professor ao tratar na sala de aula de natureza integrada desenvolva, numa rede de interdependência, as questões de vida-e-morte, entre outras. E quando citar os ciclos da natureza trate de como os seres vivos transitam em elos de vida e morte evidenciando o ciclo da matéria orgânica. No entanto, nos critérios de avaliação, espera-se que o aluno observe as diferentes formas de vida, a existência dos processos de transformação e perpetuação da vida, mas a morte não é contemplada.

Todavia, o tema saúde, no item chamado “Ampliando o horizonte”, a morte volta ao cenário quando se afirma que “por melhores que sejam as condições de vida, necessariamente convive-se com doenças, problemas de saúde e com a morte”. Ainda nesse item será tratada a questão da morte prematura devido à desnutrição infantil e a morte por doenças cardiovasculares ocasionada por diversas causas, mas principalmente, pelo estresse.

A cultura brasileira homenageia nacionalmente a morte em diversos rituais religiosos ou não, como, por exemplo, o dia 2 de novembro que é dedicado ao dia de finados, e o dia 21 de abril que é dedicado à morte de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. O outro de cunho religioso é a sexta-feira Santa, mais conhecida como Sexta-Feira da Paixão, quando se rememora a morte de Jesus Cristo. A nossa cultura também enfatiza a morte de grandes ídolos, como o caso de Ayrton Senna da Silva, piloto de Fórmula1 morto em 1994, o qual recebeu cobertura de todos os meios de comunicação nacional.

Segundo Kovács (2003), acontecimentos como a morte de Ayrton Senna e o atentado de 11 de setembro aos EUA que vitimou milhares de pessoas, são temas que deveriam ser trabalhados na escola, pelo psicólogo escolar e pelos profissionais da área de educação, haja vista que foram transmitidos e retransmitidos inúmeras vezes pelos meios de comunicação de massa e as imagens de destruição e morte foram assistidas por muitas crianças.

Considerações finais

Diante dessas evidências, porque a morte permanece escamoteada na prática docente na Educação Básica e principalmente, no Ensino superior? . Como negá-la se a cada dia ocorrem, nas grandes cidades, chacinas que envolvem a morte de dezenas de pessoas e são noticiadas em todos os meios de comunicação, em horário nobre, as quais são vistas e ouvidas, tanto por adultos quanto por crianças com a mais tenra idade? E os casos em que professores e alunos são vítimas dentro da própria escola?

Quando o homem se interroga acerca da morte, ele faz um fascinante exercício de compreensão da própria natureza humana. Ao olhar a morte, ele vê a si mesmo em sua essência, em sua totalidade, se deparando com os limites de sua espécie, com o desconhecimento da sua única certeza da condição de estar vivo.

Portanto, a educação não pode deixar de receber influências dos fenômenos naturais e sociais que ocorrem em seu entorno nem o professor pode continuar escamoteando a morte da sua prática cotidiana. Ele deverá buscar conhecimentos que aprofunde o tema da morte para que o mesmo deixe de ser um tabu na sala de aula em todos os níveis de educação.
Referências

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