A MEDITAÇÃO NA TANATOLOGIA
Mariel Nogueira da Gama Pinto Paturle
Psiquiatra – Psicoterapeuta – Tanatóloga / Presidente da SOTAMIG
Sociedade de Tanatologia de Minas Gerais
Ao trazermos a possibilidade da meditação na Tanatologia, estamos resgatando uma visão integral do ser humano. Esta o considera em seus aspectos físico, psicológico e espiritual e vê também cada ser como único em sua própria individualidade, construindo a sua história. Este olhar ampliado alarga os nossos horizontes e nos remete às nossas verdadeiras aspirações. Assim, nos harmonizamos ao abrir espaço para o espiritual em nossas vidas. Fazemos de nós, seres humanos. “Nós não somos seres terrenos buscando uma experiência espiritual, somos seres espirituais vivendo uma experiência terrena”.
Mas, somos apenas o que conhecemos de nós. Por isto, Sócrates, em sua sabedoria atemporal, nos encoraja: “Homem, conhece-te a ti mesmo!”.
Através da meditação, prática milenar de autoconhecimento, poderemos crescer, desenvolver o nosso potencial e harmonizar os nossos aspectos físicos, emocionais, mentais e espirituais.
No nosso cotidiano moderno, vivemos mecanicamente, como máquinas. Acordamos, nos ocupamos durante o dia e vamos dormir só para levantar no dia seguinte e repetirmos tudo de novo, achando que com isto estamos vivos. Isto não é viver, é simplesmente existir. Existir sem um propósito real, de uma maneira infrutífera. Isto é o que os orientais se referem a estarmos presos à roda da vida, pois giramos e rodamos sem cessar, sem chegar a lugar algum.
Através da meditação poderemos transcender o nível da nossa consciência comum e despertarmos a nossa consciência espiritual. Somos seres espirituais e precisamos acordar. Entrar em contato com esta Realidade maior que está além, que penetra o nosso universo e habita também o nosso ser. Fazer uma transformação do nosso ser inteiro, como resultado da aspiração, para despertar para uma nova realidade interna.
A meditação é uma prática através da qual poderemos achar a resposta à pergunta “Quem sou eu?”. Assim, nos tornamos o que verdadeiramente somos e não o que imaginamos ser, com os olhos da nossa personalidade e das nossas auto-imagens. Para isto, precisamos abrir um espaço para que esta transformação aconteça. Criar pequenos momentos, onde estaremos num estado de consciência alterado, não habitual.
Temos a capacidade de vivenciar níveis diferentes de consciência. Se estamos calmos, tranqüilos estaremos num nível melhor que quando explosivos ou desequilibrados. A cada altura, vemos o mundo de uma determinada maneira. Buscamos na meditação, pela concentração da mente, entrar num nível mais elevado, em um estado de supraconsciência, para acessarmos o Transpessoal, para expandirmos a nossa percepção, para sintonizarmos o nosso Verdadeiro Eu, o espiritual em nós.
Poderemos transcender a fronteira do eu comum e sermos integrados a um todo maior, do qual fazemos parte e do qual nos separamos. Buscaremos, dentro de nós algo que perdemos, a percepção às vezes vaga de um mundo interior, de “algum outro lugar”. Poderemos sentir que “voltamos para casa”, que encontramos a fonte de onde viemos. Quase sempre vivemos identificados com o nosso corpo ou com a nossa mente –
através das nossas auto-imagens. Daí, todo o nosso apego ao corpo, aos nossos desejos e nosso grande medo de perdê-lo, que é a grande ameaça da morte.
Se algum dia vivenciarmos o espiritual seremos transformados. Sentiremos que há um sentido maior nas nossas vidas pelo qual vale a pena viver. Poderemos desfrutar momentos de paz, harmonia. Poderemos sentir que há uma Presença Amorosa, que nos cuida e nos acolhe e nos propicia as melhores soluções aos nossos problemas, que nos conforta em nossas perdas, que nos leva a viver verdadeiros momentos de união e amor com as pessoas à nossa volta.
Viveremos com mais intensidade e propósito cada dia de nossas vidas, ligados à esta Força maior, a esta energia que está dentro de nós. Gradativamente, trabalharemos o desapego às coisas do mundo e também à necessidade de buscar fora de nós ou nas pessoas, a nossa satisfação.
Para isto, precisaremos de uma firme perseverança, de esforço, de humildade. Devemos ter disciplina.
Fazer a meditação todos os dias, se possível no mesmo horário, de preferência ao acordarmos, antes de iniciar as tarefas do dia, para nos abastecermos de forças. Devemos procurar um lugar onde não seremos interrompidos. O tempo que dedicaremos à prática depende do relógio interno. É preferível começar com pequenos períodos e aumentá-los gradativamente.
Devemos praticá-la sentados, confortáveis, com a coluna reta, após leve refeição (não devemos meditar após refeições pesadas) e procurar a imobilidade. Se estivermos, ou ficarmos sonolentos, é melhor interrompê-la. Precisamos estar conscientes e atentos. Então, sentados, com a coluna reta, fechamos os olhos, e entramos em contato com o nosso corpo. Começamos fazendo um relaxamento físico, da cabeça aos pés, soltando todas as tensões acumuladas nos nossos músculos. A seguir, aquietamos as nossas emoções.
Uma das maneiras é fazendo respirações mais profundas e completas. Começaremos expirando, tirando todo o ar dos pulmões, ajudando com a musculatura abdominal. Expirando completamente, naturalmente a inspiração será completa também. Poderemos mentalizar que ao expirar, soltamos as nossas angústias, nossos medos, nossas preocupações e que ao inspirarmos estamos sendo supridos de oxigênio, vida, saúde e paz.
Expirando, soltamos as nossas negatividades e inspiramos saúde, o amor, a energia, etc.
Estando mais tranqüilos, começaremos a convergir a nossa mente, procurando aquietá-la, silenciá-la. Vamos fazer com que o nosso “macaquinho bêbado” (como a mente é comparada) seja controlado. Mantendo uma respiração calma e ritmada, acalmaremos a nossa mente, pois mente e respiração andam juntas. Com o auxílio da nossa vontade e da nossa respiração, tentaremos gentilmente vencer as distrações da nossa mente, focalizando o nosso pensamento em um só objeto. Sempre que você se distrair, tome consciência disto e simplesmente retome a sua atenção no foco da concentração. Este foco deve ser algo elevado, transcendente, espiritual – como uma pequena oração, uma frase, uma imagem ou qualidades abstratas (ex., a compaixão).
Temos de, gradativamente, adquirir controle sobre o nosso corpo (diminuindo a atração, a influência dos nossos sentidos) e controle sobre a nossa mente. Devemos sempre observar, estar vigilantes aos nossos pensamentos, dentro e fora da meditação, sabendo que o nosso pensamento é uma força, que tanto pode nos destruir como nos construir. A capacidade de manter a mente concentrada, cada vez por períodos mais prolongados, é o que leva à meditação e esta, ao conhecimento da Verdade – de que somos Um com o Absoluto; com o nosso Cristo Interno.
Atingir estes níveis de união, de consciência expandida, de iluminação, é uma questão de crescimento evolutivo. A iluminação não pode ser atingida enquanto não tivermos evoluído ou não nos tivermos elevado espiritualmente. “O igual só pode ser apreendido pelo igual”, como disse Plotino. Ou seja, nossas próprias vibrações devem ser bastante acentuadas para permitir ou possibilitar o reconhecimento pelas altas vibrações do mundo espiritual.
Adélia Prado escreve em uma de suas poesias: “O Reino é dentro de nós. Deus nos habita”.
Cristo nos convida: “Buscai primeiro o Reino e tudo mais te será dado por acréscimo”.
Há mais ou menos duas décadas, a meditação vem sendo reconhecida e recomendada como auxiliar no tratamento de várias doenças. Ela reduz o metabolismo e a necessidade de oxigênio e gás carbônico pelas células e então os tecidos descansam e podem se concentrar na cura. O coração bombeia menos sangue. Ela reduz o desgaste físico e emocional e prolonga a vida biológica das pessoas, melhorando a qualidade de vida.
Diminui a freqüência respiratória e a resistência à entrada de ar nos pulmões, o que é benéfico para os asmáticos. Diminui a excitabilidade das ondas cerebrais e produz aumento das ondas alfa, o que possibilita maior controle sobre as emoções negativas, levando à calma e aumento da criatividade. Diminui o comportamento competitivo e os índices do infarto do miocárdio. Abaixa os hormônios que causam a tensão e as taxas de lactato (pelo relaxamento das arteríolas), podendo então, abaixar ou normalizar a pressão arterial nos hipertensos.
É também indicada para as pessoas que estão angustiadas, estressadas ou com síndrome do pânico. Eleva o limiar da dor pelo aumento das endorfinas e reforça o sistema imunológico, aumentando a nossa resistência às doenças. É conhecida hoje, a correlação entre depressão, tensão crônica e câncer – a depressão e o sentimento de desesperança estão fortemente relacionados ao aparecimento do câncer, por interferirem no sistema imunológico. A meditação pode ajudar as pessoas no autoconhecimento, a entrar em contato com quem realmente são, a suprirem as suas próprias carências, a acharem propósito e objetivos em suas vidas.
A viver sob uma orientação interna, guiadas por si mesmas e não mais escravas das aprovações e expectativas dos outros, a informar ao seu sistema imunológico que “vale à pena lutar por elas”.
Ela pode nos levar à transformação, à mudança. A pessoa pode despertar para a necessidade de viver a sua própria vida, como diz Leshan: “a cantar a própria canção”, a ter alegria de viver.
Ela muito pode ajudar aos cuidadores e profissionais da saúde no alívio das tensões e ansiedades a que estão sujeitos. Para um atendimento que leve a paz, a serenidade às pessoas precisamos ter esta paz dentro de nós. Buscar primeiro o nosso centro de equilíbrio, se queremos ajudar a outro ser humano que se encontra fragilizado. É conhecida a história de que quando chegarmos ao paraíso, Deus não vai nos perguntar se fomos como Jesus, Buda, São Francisco de Assis ou Santa Teresa. Deus vai nos perguntar se fomos nós mesmos.
Sabemos hoje que o homem que negligência sua vida espiritual adoece e que a vida espiritual restabelece a saúde. Sogyal Rinpoche nos exorta: “É para personalizar o transcendente que estamos aqui…”
Os frutos da meditação são daqueles que persistem, que têm disciplina. Em geral é preciso paciência e muito esforço, pois os melhores frutos não vêm a curto prazo. Buda nos adverte: “Melhor viver um único dia na busca da compreensão e da meditação, do que viver cem anos na ignorância e na liberdade desenfreada”.
Dentro do conhecimento espiritual, existe a idéia de que o conjunto da humanidade é de certa forma, um ser único. Ao mesmo tempo que somos indivíduos, fazemos parte de um ser coletivo, que chamamos humanidade. Aquilo que um ser humano realiza, de bom ou de mal, repercute sobre o conjunto da humanidade. Os que são pioneiros no desenvolvimento de capacidades intelectuais, morais e espirituais abrem o caminho e facilitam para os que vêm mais tarde.
Se somos capazes de nos transformar construtivamente, devemos ser gratos àqueles que vieram antes de nós e nos abriram o caminho. Por outro lado, também ajudaremos aos que virão depois de nós. Desta forma, nenhum esforço será perdido. Tudo se incorpora ao Ser total que chamamos humanidade.
Assim quero agradecer aos que semearam a meditação em meu coração.
Espero também, que ela possa dar frutos e alimentar o seu espírito.
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