POR UMA MORTE DIGNA
Jornal – O Povo / 02 de abril 2002
Desde que Francis Bacon pronunciou a palavra Eutanásia (boa morte, morte sem dor, sem sofrimento, morte digna) no século XVII (herança dos gregos) os debates se acirram e não chegamos a um consenso sobre como proceder numa situação que envolve a morte de um ente querido que sofre, e, por não suportar mais a dor, pede para morrer.
A questão primeira diz respeito ao desejo e ao direito de quem solicita deixar de sofrer. A seguinte, ao agente da ação que irá satisfazer àquele que lhe pede ajuda.
Mas, como o agente poderá prestar essa ajuda sem envolver-se com o Estado, visto que a Eutanásia é crime previsto no código penal no seu artigo 122 ?
Do ponto de vista de quem está sofrendo – que já não vive mais, apesar de ainda estar vivo, que perdeu o seu estatuto de sujeito e que não tem mais esperanças, confirmada a impotência da ciência médica – é coerente querer exercer o seu legítimo direito de morrer de forma digna.
O homem é um ser em relação consigo, com o outro e com o ambiente. Não basta apenas ser observador, ele quer fazer parte e recusa-se a terminar a vida como um vegetal ou torná-la mais dolorosa que o suportável.
A propósito dessa reflexão diz Lacan, “existe alguma coisa a que se chama o ato, e não resta a menor dúvida de que o sentido, a característica do ato enquanto tal é expor a vida, ariscá-la; este é, estritamente, o seu limite (…) a vida só tem um sentido, poder atuá-la.”
A partir de 1950, com a descoberta do coquetel lítico (mistura de três produtos: um neurolépitico, um sedativo e um morfínico) e sua utilização pelos hospitais à época para evitar choques operatórios e como anestésico, até os dias de hoje, esse coquetel é usado na prática da analgésica sob a forma de cuidados paliativos, poderia ser estendida sua utilização para a prática da Eutanásia.
O médico, responsável pelo paciente, mesmo que queiram utilizar-se desse procedimento para ajuda-lo, esbarra, além do código penal em seu código de ética no artigo 61 quando diz: ” É vedado ao médico utilizar, em qualquer caso, meios destinados a abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu responsável legal.
O mesmo código que proíbe o médico de ajudar seu paciente, no seu artigo 2º, diz: “o alvo de toda atenção do médico é a saúde do ser humano…”
Se o médico deve preocupar-se com a saúde do paciente em primeiro lugar, ele saberá que uma pessoa prostrado em uma cama, fora de possibilidades terapêuticas, fora de seu cotidiano, dependente, sem meios de cura ou melhora que lhe compense viver, não está gozando saúde.
Será que vale a pena estar apenas vivo, respirando através de aparelhos, sem possibilidade de voltar a experiênciar ?
Lembrando Bizatto, ” querer alongar uma vida incurável é fugir da morte, como fogem os anões das garras do gigante.”
Mas, antes de resolvermos o problema da Eutanásia, temos que nos voltar para a questão de fundo: a morte.
É importante que a sociedade, os legisladores em particular, sensibilise-se com a questão da Eutanásia, mas é necessário antes uma resocialização da morte, uma integração desta à vida, como parte de um processo que mais cedo ou mais tarde se completará e isto só será possível através da educação.
Aroldo Escudeiro
Psicólogo e Tanatólogo