AMOR AOS GRIPOSOS
Jornal – O Povo / 29 de setembro 1996
Você sabe o que é “Griposo”? Sim? Não? Você sabe. Eu sei que você sabe.
Mas como não há uma estigmatização em torno dos que estão com o vírus da gripe, como a sociedade não segrega quem está acompanhado desse vírus controlável tanto pelas defesas do organismo como por complementos alimentares – você pode achar que não sabe o que é “Griposo”.
Você sabe, eu sei que você sabe. Você já esteve “Griposo”? Não lembra? Pois imagine-se agora, nesse momento, com o vírus da gripe instalado em seu organismo.
Ao chegar próximo de dois amigos ouve um dizer ao outro: vou visitar o “Griposo”, que é você.
A partir daí você já perdeu a identidade de igual, está excluído.
Qual o sentimento que lhe vem após se ver em uma situação semelhante?
Como pode você ser reduzido a um vírus que nem mesmo sabe o que é sentir, que não sabe o que é amar?
E por falar em amor. Você sabe o que é amor?
Eu sei, eu sei que você sabe. E, por certo, também sabe que estar com AIDS não significa estar em outra categoria senão a humana, pois não há um ser aidético. Existe o ser humano, atacado por um vírus ao qual o organismo ainda não se adaptou, ou a ciência ainda não conseguiu controlar.
Existem cancerosos? De que planeta são esses seres? Eu não os conheço. Eu conheço seres humanos.
Perceba que à medida que utilizamos os termos: canceroso, leproso, tuberculoso, asmático, aidético, griposo… Estamos subliminarmente criando uma nova categoria de ser humano e, veladamente excluindo os que passam por um momento difícil da existência pessoal.
E por onde anda afinal a nossa consciência cósmica, transpessoal?
Existem muitas formas de compreendê-la, uma delas é saindo do planeta como o fez Rusty Seweickrat que após retornar disse ao colega Alexei Lenov, também astronauta: “Olhando a Terra do espaço não percebi essas fronteiras que separam os homens”.
Você não precisa chegar a tanto – sair do planeta – o simples ato de acessar ao seu interior, certamente o levará à compreensão de que não há cancerosos, leprosos, tuberculosos, asmáticos, aidéticos, griposos… há pessoas, que estão sadias ou com uma determinada doença, em um dado momento.
Existem doentes terminais? Quem realmente é terminal?
Sabemos com certeza, aliás a única na vida – nesse ponto você pode muito bem unir crentes e ateus, Freud, Heidegger, Jung, Gabriel Marcel, Sartre, você – que somos todos terminais, finitos, a nível fenomenológico-existencial, não sendo a finitude nem mérito e tampouco demérito.
Portanto, não temos o direito de diferenciar pessoas que se encontrem gravemente enfermas, acometidas por doenças as quais a medicina não pode ir além.
Quem garante que a morte virá primeiro ao encontro de alguém que está em “estado terminal”?
Quem sabe não seremos nós os primeiros a encontrá-la?
Se você sabe o que é o amor e faz parte da elite formadora de opinião – profissionais e estudantes das áreas de saúde, educação, mídia – por certo irá refletir antes de nominar, reforçar, ou criar novas categorias humanas.
A partir do referencial social é uma grande fonte de angústia humana, contanto, não nos sentiríamos bem diante da perspectiva de sermos discriminados justamente pela fonte em que nos reconhecemos: o outro.
Aroldo Escudeiro, Psicólogo e Tanatologista