Entrevista – Solidão no fim de ano

24/DEZ/2008

Entrevista – Solidão no fim de ano

por Ruleandson do Carmo

 

“Algumas pessoas deixam de viver por medo de morrer, deixam de amar por medo de perder”. O alerta é feito pelo tanatólogo, psicólogo e professsor universitário Aroldo Escudeiro, ao definir a relação de grande parte das pessoas com a própria existência. Coordenador da Rede Nacional de Tanatologia (RNT) – ciência que avalia os processos emocionais e psicológicos ocasionados pelas perdas – o professor fala, nesta entrevista, sobre um estado comum nas festividades de fim de ano: a solidão. Para o psicólogo, esse sentimento recorrente nessa época ocorre pois “os ciclos, as mudanças, sempre nos deixam mais reflexivos e introspectivos”.

– Professor Aroldo, o que estuda a tanatologia?
A: A tanatologia é uma ciência que estuda os processos emocionais e psicológicos decorrentes das perdas, sejam elas concretas ou simbólicas. A morte de um ente querido, geralmente, é a perda mais difícil de enfrentar.

– Como a tanatologia pode ajudar o ser a lidar com as perdas e sentimentos?
A: Viver é a melhor forma de enfrentar a realidade da qual não podemos fugir, a morte. As pessoas que mais temem as perdas e a morte são aquelas que menos vivem. Algumas pessoas deixam de viver por medo de morrer, deixam de amar por medo de perder. A Tanatologia nos lembra que somos finitos e que o nosso tempo voa, que a vida passa. Nos lembra também que estamos vivos e podemos usufruir da vida de muitas maneiras e em diversos campos. Nos diz para o que serve a morte: para possibilitar a vida, pois se não morressemos os nosso filhos e netos não poderiam ter os filhos e netos deles, não poderiam experimentar essa coisa maravilhosa que chamamos de vida.

– Por que no fim de ano, com a comemoração do natal e ano-novo, é tão comum algumas pessoas se sentirem mais sós?
A: Os ciclos, as mudanças, sempre nos deixam reflexivos e introspectivos.

– Famílias ou amigos que perderam alguém querido, às vezes, deixam de celebrar as comemorações de fim de ano por tristeza. Seria mesmo o melhor caminho?
A: Se a morte aconteceu muito próximo a essas datas festivas que deixam as pessoas mais sensibilizadas é comum a idéia de que se “está desrespeitando a memória do morto” ou então a pessoa enlutada pode até sentir culpa em algum aspecto da relação com o morto, ou não se sente bem em eventos sociais, são muitos os motivos.

Geralmente no primeiro ano de luto essas datas mobilizam mais e são mais difíceis de enfrentar. Devemos respeitar o movimento de cada grupo. Acho, pessoalmente, que devemos sempre celebrar a vida a todo momento, mas entendo que quando perdemos alguém muito especial é muito difícil raciocinar dessa maneira, a emoção toma conta da situação. Achamos que não iremos sobreviver. O caminho tem a ver com viver o luto.

– E até quando viver o luto? Há um limite?
A: O luto é um processo, portanto devemos esperar a conclusão do mesmo para que a Gestalt [o processo psicológico como um todo] feche. O tempo é o tempo de cada um e isso implica muitas variáveis que irão direcionar o processo. Se falarmos de um luto “normal” podemos falar em um ano, dois, três, quatro, podemos dizer que o limite é o não interromper com as atividades principais da vida cotidiana, é ter energia suficiente para mover-se para frente e transformar a dor em lembrança, resignificá-la.

– No ano-novo, muitos solteiros agem como se fosse “o fim do mundo” passar o reveillon sem namorado. Há algum caminho para não se sentir perdido ou “encalhado” como dizem?
A: Acho que gostar de si mesmo é fundamental para lidar com a solidão. Trabalhar a auto-estima e viver o que se apresenta no momento, e, sabemos, tudo na vida tem os dois lados. Ficar só pode significar também a possibilidade de encontrar algo ou “alguém” que lhe complete a falta.

– Por que o ser humano parece sentir-se tão faltoso, professor: seja de alguém querido que morreu, seja de um amor ou de algo material?
A: Somos desamparados. Nascemos e morremos sós, mesmo os gêmeos têm dois momentos de nascer e dois momentos de morrer. Ninguém nasce por nós e também não pode morrer no nosso lugar. Precisamos nos apegar a algo ou alguém para nos sentirmos seguros, para nos proteger do único evento que não podemos controlar: a finitude, a impermanência, a efemeridade da vida, o tempo, o nada. A angústia existencial e a angústia da morte geram a crise do não-saber o que virá depois e isso nos atormenta. Queremos descobrir um sentido para a vida, mas temos pouco tempo, em média pouco mais de 70 anos de vida. E nos perguntamos: para onde vamos depois?

– Há quem diga que devemos sempre lidar com as pessoas sabendo que podemos perdê-las, ou que “só quando se perde que se dá valor”. Considerar a possibilidade da perda traz algum benefício às relações?
A: O desapego às coisas e às pessoas é um exercício que devemos fazer continuamente, pois não temos nada além da própria vida, tudo nos é emprestado: a nossa casa, o nosso trabalho, os nossos familiares, os nossos objetos materias, o nosso planeta. Quando nos apegamos em demasia a uma outra pessoa perdemos a nossa própria base, a base em nós mesmos. Ficamos dependentes, temerosos em perdê-la. Podemos amar e sermos desapegados. Desamor não tem nada a ver com desapego. Isso com certeza traz benefícios não apenas para a pessoa mas também para a relação.

– Qual mensagem o senhor deixa para quem está se sentindo só ou lidando com a perda de alguém que amava neste fim de ano?
A: Viver o luto é fundamental para que a pessoa se restabeleça e não apresente sintomas posteriormente. Atendo muitos casos de depressão provocada por um luto mal elaborado. Trabalhar a dor da perda é fundamental para o desenrolar do processo de forma saudável. Expressar o pesar ajuda a encarar a realidade da perda além de liberar material afetivo intenso, isso é bom para o processo do luto. E, não esqueça, você vai sobreviver.