Ética em cirurgia plástica – Evaldo D´Assumpção

ÉTICA EM CIRURGIA PLÁTICA
Evaldo A. D´Assumpção

I ) TERMINOLOGIA E CONCEITOS GERAIS

Para se falar sobre qualquer assunto, é essencial a definição correta dos termos que serão utilizados. Para se falar em ética, com mais razão esta regra se impõe.

Vejamos os principais termos que se utilizam ao abordar este tema.

MORAL – São as regras de conduta para uma adequada relação dos seres humanos entre si e dos seres humanos com a comunidade, consideradas independentemente da época, da cultura ou da região.

ÉTICA – São as regras de conduta para uma adequada relação entre os seres humanos entre si e dos seres humanos com a comunidade, consideradas entretanto para determinadas épocas, determinadas culturas e determinadas regiões.

De certa forma podemos dizer que Moral é o que é, é a ação, enquanto Ética é a ciência do comportamento moral. Portanto, a norma, o que deveria ser.

Podemos dizer ainda que a Moral é algo imutável, enquanto a Ética se constitui de normas morais que se adaptam à própria história da humanidade. Com a evolução do pensamento humano, com novas descobertas, á Ética também evolui e se modifica. Contudo o faz sem alterar a sua essência que são as normas morais imutáveis e indispensáveis para a preservação da humanidade e para a qualidade de vida do ser humano.

DEONTOLOGIA – É o conjunto codificado das obrigações impostas aos profissionais de uma determinada área, no exercício de sua profissão. São as normas estabelecidas pelos próprios profissionais daquela área, não exatamente pela qualidade moral de suas ações, mas para a “correção” das mesmas, considerando a importância de uma melhor relação entre a profissão e a sociedade.

Curiosamente, o primeiro Código de Deontologia foi feito na área médica, nos Estados Unidos, em meados do século passado. Seu surgimento nesta área vem comprovar a importância de se ter normas bem definidas numa área extremamente vulnerável a ações inadequadas à dignidade do ser humano e à sua qualidade de vida.

BIOÉTICA – Termo surgido em 1971, também nos Estado Unidos, não objetivando apenas uma repetição do que já existia na área médica, mas abrangendo todo o inter-relacionamento com as diferentes formas de vida que, em última análise, afetam profunda e decisivamente o Ser Humano. Portanto, pode-se definir a bioética como a ciência da ética relacionada à vida, em suas diferentes formas e estágios.

Seu surgimento foi devido ao aumento vertiginoso de pesquisas e descobertas relacionadas às diferentes formas de vida, que passaram a exigir reflexões e normatizações bem mais específicas do que se encontravam e ou seriam possíveis, no conjunto de enfoques da ética, como uma ciência coletiva.

Estabelecidas estas definições mais importantes dos termos que utilizaremos neste estudo, é importante que se conheça, também, um pouco da história da ética, deste o seus primórdios.

II ) BREVE HISTÓRIA DA ÉTICA

Podemos afirmar que a ética surgiu com os primeiro hominídeos. Certamente sem a formalidade de códigos ou regras estruturadas, mas como uma necessidade e conseqüência das modificações da vida primitiva, até então caracterizada pelo nomadismo e quase total isolamento dos grupos que iam se constituindo.

Dando asas às nossas fantasias, vamos ver a gênese da ética numa imaginária chegada de um dos nossos antepassados, a uma caverna espaçosa e vazia, com sua entrada bem protegida, próxima de um rio caudaloso e de uma floresta habitada por animais que lhe forneceriam alimento, e pele para suas vestimentas.

Diante dela, ele decide acabar com suas caminhadas errantes, sempre em busca de melhores condições para a sua sobrevivência, de sua fêmea e de seus filhos.

Passam os dias e um outro grupo chega diante da caverna. O macho gosta, resolve explora-la e tomar posse dela. Encontra porém o seu primeiro ocupante e acabam lutando pela caverna. Como o que chegou depois era mais fraco, perdeu a luta e teve de sair em busca de um outro lugar. Encontrou uma caverna um pouco pior, porém naquele lugar privilegiado, e resolveu instalar-se nela.

Tomando posse daquela caverna, como o primeiro havia feito com a anterior, eles acabaram por criar a propriedade privada. Para defendê-la e manter a sua própria sobrevivência, estabeleceram a primeira norma ética, que denominamos de “Ética Tribal” : “Trabalhar para comer, lutar para não morrer”.

Com o passar do tempo, o primeiro proprietário, que era bem mais forte, decidiu que o seu vizinho, mas fraco, deveria buscar água e alimento para ele, sempre que o desejasse. Sob ameaças, logrou o seu intento. Teve início então a segunda parte do novo sistema: a exploração do homem pelo homem, do mais fraco pelo mais forte. O que se perpetuaria ao longo de nossa conturbada história, constituindo-se numa norma ética – nem tão ética assim – porém que foi sendo assimilada por muitas civilizações: a “Ética primitiva da Propriedade Privada”, cujas normas estabeleciam o direito de posse de um bem material, assim como a diferenciação entre fortes e fracos, entre ricos e pobre. Como conseqüência trágica desta situação, surge a escravidão, aceita por longos anos como um comportamento eticamente válido.

Passam-se os séculos e chegamos à Grécia, onde o pensamento humano e a cultura humanística alcançaram seu ponto mais alto. Surgem os filósofos e com eles os grandes questionamentos comportamentais, estabelecendo-se então a “Ética no Pensamento Filosófico”. TALES DE MILETO, considerado por Aristóteles como o pai da Filosofia, viveu numa das colônias gregas da Ásia Menor, no final do século VII aC. Depois dele vem, entre outros, PITÁGORAS (570 – 490 aC) que, apesar de ter ficado mais conhecido como matemático, era um grande filósofo. Antecipando as discussões que hoje acontecem com freqüência, afirmava: “É necessário que se respeite a vida em todas as formas e desde antes do nascimento”.

Seguiram-se outros pensadores que questionavam: “O que é a virtude?”, “É possível ensinar-se a virtude?”

Dentro destas reflexões, foi afirmado que “Virtude é uma disposição habitual e firme para se fazer o bem”. Contudo, esta resposta suscitou outra questão: “E o que é o bem?”

A partir de tantos questionamentos, que levavam os sábios a passar seus dias pensando e refletindo – coisa que hoje fazemos tão pouco, deixando para a velocidade cibernética a resposta para todas as questões – foram surgindo novos filósofos e, entre eles, aquele que o Oráculo de Delfos definiu como sendo o homem mais sábio de toda a humanidade: SÓCRATES (469-399 aC).

Ele, entretanto, tinha plena consciência de que pouco ou nada sabia e assim conquistava a sabedoria, na consciência de sua própria ignorância. Andava pelas ruas questionando a todos sobre tudo. Irônico, levava aos que o ouviam a descobrir a sua própria ignorância E, com isso acabou conquistando muitos inimigos que, com falsas acusações acabaram levando-o aos tribunais. Sócrates foi condenado à morte, obrigado a tomar Cicuta, um poderoso veneno. Em tempos tão antigos, pensar já incomodava a muitos.

Mas Sócrates deixou um grande legado para a humanidade ensinando: “Homem, conheça-te a ti mesmo!” e ainda: “Deve-se melhorar o conhecimento e aperfeiçoar a conduta”. Ensinamentos que nunca perderam a sua importância e validade.

Seu maior discípulo foi PLATÃO (428-348 aC), que privilegiava a relação Homem-Estado, enquanto afirmava a dualidade Corpo-Alma, onde esta seria superior àquele e, como conseqüência, estabelecia um total desinteresse pela coisas materiais, em favor, quase que exclusivamente, das coisas do espírito.

ARISTÓTELES (384-322 aC), discípulo de Platão, estabeleceu a Ética como o estudo da conduta (ou fim) do homem, como indivíduo. Ele considerava que as ações humanas tendem a fins, e o fim último do homem era a felicidade. Não como prazer ou na riqueza, mas no aperfeiçoar-se como homem.

Dois grupos que deram alguma contribuição ao pensamento ético foram os ESTÓICOS e os EPICURISTAS. O primeiro, liderado por ZENÃO (333-262 aC) tinha como pensamento ético a idéia de que a finalidade do viver é atingir a felicidade, vivendo segundo a natureza. Considerava que o bem estava na virtude e o mal nos vícios. Contudo, entendia que a felicidade se obteria com a impassibilidade ou apatia, ou seja, não sofrendo com as dores, nem buscando os prazeres.

Já os EPICURISTAS, liderados por EPICURO (341-270 aC) eram materialistas, buscavam o prazer na cultura do espírito e na sensualidade. Por negarem a existência de Deus, liberavam totalmente o prazer. Quanto à morte, não a temiam pois seria ela o fim de tudo, consequentemente de todos os sofrimentos.

Vem a Idade Média e, dos séculos IV ao XV, nasce e predomina a Ética Teocêntrica (Téo = Deus) , defendendo a igualdade entre os homens. A Ética e a Religião caminham de mãos dadas e a Igreja se torna a guardiã moral da humanidade, muitas vezes com atitudes radicalmente repressivas. Terminando a Idade Média, surgem os cismas religiosos e a Ética Racional vai substituindo a Teocêntrica. No século XV surge a Ética Burguesa, caracterizada pela exploração do Homem pelo Homem. Como conseqüência, veio o início e a expansão do Capitalismo, logo no século seguinte.

No século XVIII começa a Revolução Industrial, surge o Idealismo e Criticismo de KANT, o Iluminismo e a Revolução Francesa, que modificaram radicalmente o mundo. Floresce então a Ética Antropocêntrica (Antropo = homem), cuja base era: “Age sempre de maneira que possa querer que o motivo de tua ação se torne numa lei universal”.

Entrando no século XX, o Capitalismo Financeiro substitui o Capitalismo Industrial, dando origem aos trustes e aos cartéis. Soma-se à exploração do Homem pelo Homem, a exploração dos Países pobres pelos Países ricos. Daqueles são retirados, por estes, as matérias primas e até os alimentos, sem haver contudo qualquer contrapartida sócio-econômica.

A política, a arte e a ciência vão adquirindo uma autonomia cada vez maior, e a ética, tanto quanto a religião, perdem a hegemonia que tinham sobre a sociedade tradicional. Num segundo tempo, a economia assume um papel dominante e até a ética fica subordinado a ela. Surge a Ética Capitalista.

Nela, a consciência passa a ser considerada como uma forma de censura e de cerceamento da liberdade, enquanto essa adquire foros de plenitude, sem qualquer limite. Tudo passa a ser justificado em nome do lucro e da liberdade.

Talvez aqui seja um bom momento para se recordar das palavras de Maria Antonieta quando subia para a guilhotina (1793): “Liberdade, liberdade! Quantos crimes se cometem em seu nome!”

A regra predominante se torna a procura do “melhor produto”, então considerado como o que dá mais lucro e não o que é melhor para o Ser Humano.

A tecnologia supera tudo e se transforma na verdadeira deusa dos tempos modernos. Com ela, nasce e atinge sua plenitude a Ética da Manipulação, regida pelos grupos dominantes que afirmam: “assim é que deve ser”. A filosofia de vida assume uma nova conotação: “os outros que se danem!”.

CONCEITUAÇÃO DA ÉTICA ATUALMENTE VIGENTE:

A Ética da Manipulação, que vige nos tempos atuais, se caracteriza pelos seguintes pontos:

1) Todo processo educativo deve ser orientado para construir cidadãos submissos e manipuláveis. Pensar, refletir e tomar consciência, deve ser reduzido a níveis mínimos. O cidadão ideal será algo como “uma ameba em coma alcoólico”…

A educação visa prioritariamente o processo de produção e o consumo, substituindo o HOMO SAPIENS (aquele que pensa, reflete e por isso aprende) pelo HOMO FABER (aquele que faz, que produz e assim se torna em voraz consumidor).

2) Os meios de comunicação se tornam em instrumentos ideais para a manipulação, e o maior deles é a Televisão, onde o diálogo é totalmente inexistente. Para dissimular esta condição, inventa-se a televisão interativa, na qual as pessoas pensam e até acreditam que podem interferir naquilo a que assistem. A Psicologia é colocada a serviço desse sistema de mass-midia, manipulando cientificamente a opinião pública, criando necessidades mesmo onde elas inexistam ou até mesmo sejam indesejáveis. Os anúncios, mais que vender produtos estimulam o consumismo exacerbado, pela criação de necessidades fictícias. O cidadão passa a comprar coisas, não porque delas realmente necessite mas porque lhes é feito, cientificamente, acreditar nessa falsa necessidade.

Como exemplo disso pode-se citar a indústria farmacêutica inglesa que, em 1973 gastou 33 milhões de libras em publicidade, contra 30 milhões em pesquisas. O que nos leva a concluir que convencer o povo de que um produto é bom, é mais importante do que pesquisar e desenvolver novos produtos.

3) O imediatismo é estimulado, bem como a fixação na condição de descartabilidade das coisas. Com isso as pessoas são condicionadas a buscar resultados rápidos, mesmo em detrimento da qualidade. Cada coisa conquistada deve ser rapidamente descartada para que novas coisas sejam buscadas.

Dentro da cirurgia plástica este quadro é bastante perceptível. Clientes chegam ao consultório solicitando uma cirurgia para o dia seguinte, porque já têm um compromisso importante para daí a uma semana e querem estar muito bem para o tal dia. Diante da impossibilidade de se atender às pessoas com este tipo de demanda, cada vez maior, através dos procedimentos cirúrgicos convencionais, criam-se novo métodos, novos procedimentos, cuja validade é questionável, especialmente no que se refere a durabilidade dos resultados. Contudo, muito eficientes para atender o imediatismo destas pessoas, e não perder e não perder o “freguês”. Assim, surgem métodos relativamente simples, de aplicação em consultório e sem maiores exigências de um tempo significativo para recuperação. Está criada a “cirurgia plásticamburger” que, como as chamadas refeições rápidas, se come de pé, em curto prazo e a preço bem atrativo. Não importa as conseqüências, a médio e longo prazo, tal qual acontece com as bem denominadas “fast-food”.

Para ajudar na venda destes novos produtos, muda-se o nome de cirurgia plástica – que significa “cirurgia de dar forma” – para cirurgia estética ou, melhor ainda, medicina estética. Já não há mais o trauma de se fazer uma “cirurgia” . É só um tratamentozinho rápido e eficiente. E, sem dúvida, com um resultado rapidamente descartável, o que não deixa de ter vantagens, pois deverá ser repetido muitas outras vezes, criando uma clientela numerosa e constante.

Neste contexto, também o Ser Humano se torna descartável, seja nas relações afetivas – “ficar”, separações, divórcios, amizades descompromissadas, fazem parte do cardápio destas relações descartáveis – sejam nas relações de trabalho, onde as demissões individuais ou em massa se fazem sem qualquer constrangimento, criando uma legião de desempregados. E, quanto mais desempregados, maior o índice de criminalidade, coisa que hoje se constata sem qualquer sombra de dúvida.

4) O próprio exercício da pesquisa científica é manipulado, ficando essa restrita a um campo sofisticado e exclusivo, onde o objetivo será sempre e tão somente o resultado, com uma absurda redução ou até anulação do valor da vida, que perde a sua sacralidade. O pragmatismo se torna a essência do pensamento ético.

O poder é a meta fundamental e o homem terá estimulado o seu desejo de dominação e exploração do seu semelhante, sem qualquer escrúpulo.

Isso pode ser observado também na cirurgia plástica, onde resultados de pesquisas são manipulados, proporcionando sempre os resultados desejados e não o que realmente acontece. Equipamentos digitais, cada vez mais sofisticados, permitem maquiar o que não estiver bom, deixando sempre a possibilidade da incrível afirmação, frequentemente escutada em congressos: “não temos nem um só caso de complicação”!

As estatísticas se apresentam com números quase sempre estratosféricos, muitas vezes incapazes de serem matematicamente compreendidos dentro do espaço de tempo que todos possuem para exercer as suas atividades.

Em abril de 1987 fizemos uma pesquisa intitulada: “Perfil do trabalho do cirurgião plástico brasileiro”, no qual um levantamento através de questionários distribuídos durante um congresso brasileiro da especialidade, mostrava o tempo médio dedicado por uma amostragem significativa de profissionais, às cirurgias, ao atendimento de consultório, aos congressos e às férias. Também o seu o tempo médio gasto nas cirurgias mais comuns. Estes dados foram cruzados, evidenciando a impossibilidade física de se ter um número de cirurgias pessoais tão grande quanto costuma ser apresentado em trabalhos ditos científicos.

É a ética da manipulação sendo aplicado em nossa especialidade.

REAÇÃO DA ÉTICA E DA BIOÉTICA À ÉTICA DA MANIPULAÇÃO

O enfrentamento desta ética que beneficia grupos minoritários, bastante minoritários, em detrimento de uma coletividade muitas vezes maior é, sem dúvida alguma, difícil e pouco atrativo uma vez que a própria estrutura da ética da manipulação tem antídotos eficientes para estes remédios. O maior deles é a evidência de que, para os grupos minoritários, geralmente os que dominam o poder em todos os níveis, mudar este comportamento lhes é totalmente inconveniente. Seus lucros serão reduzidos significativamente, perderão boa parte do poder e terão de abrir mão de confortos aos quais já estão fortemente habituados.

Contudo, se realmente pretendemos ter um futuro melhor para nós e para nossos descendentes, se nosso senso moral aponta para a necessidade de melhores condições de vida para toda a humanidade e não para pequenos grupos de privilegiados, muita coisa pode ser feita. E muitas delas estão ao alcance de qualquer pessoa e não somente daquelas que detêm algum tipo de poder. Se não, vejamos.

a) Como norma básica, a ética nos diz que “nem tudo o que é cientificamente possível, é eticamente permitido”. Dentro desse princípio, não se deve cair no rigorosismo fundamentalista, nem escorregar para o laxismo modernista. Sem desprezar as tradições como conservadoras, deve-se olhar para frente porém com os pés cravados nas experiências já vividas. A História é a grande prevenção da repetição dos mesmos erros. Por isso deve ser estudada,cultivada e respeitada.

Não é sem razão que Goethe dizia: “ Quem não conhece a história de sua arte, nem a sua arte conhece”.

b) A vida humana deverá ser inteiramente respeitada, desde a fecundação até a morte. O Ser Humano nunca será considerado um meio, mas sempre o fim. Exemplo se faz no uso de placebos na experimentação terapêutica ou de novas técnicas cirúrgicas sem qualquer comprovação adequada de sua eficiência. Não se pode colocar em risco a vida ou a saúde do Ser Humano, pela omissão deliberada da terapêutica adequada, com o único objetivo de se testar uma nova forma de tratamento experimental.

Para cuidar desta área, em 1964 foi promulgada a DECLARAÇÃO DE HELSINQUE sobre ética em pesquisas, da qual trataremos mais à frente.

c) Em todas as atividades, sejam elas sociais, políticas ou profissionais, deve-se exercer uma consistente CONSCIÊNCIA CRÍTICA, embasada em conhecimentos adquiridos com abertura e sem preconceitos, da ciência, da história, da filosofia e das legítimas tradições religiosas. Trata-se de um método cientificamente desenvolvido e cujos pontos essenciais são:

1º) VER – Nesta etapa se procura observar, isenta e atentamente todas as coisas, para conhecer e aprender os fatos.

2º) JULGAR – Uma vez conhecidos esses fatos, passa-se à segunda etapa cuja base são os critérios sérios e bem embasados, sobretudo nos ensinamentos filosóficos e religiosos tradicionais, para os quais o único objetivo é o HOMEM TOTAL, constituído de CORPO (SOMA); MENTE (PSICHÊ) e ESPÍRITO (PNEUMA). Conseqüentemente uma visão integral, não fragmentada, independentemente de preconceitos redutores. O homem total é, pois, um ser pneumopsicossomático e assim deve ser respeitado.

3º) AGIR – Somente depois de superadas as duas fases iniciais, deve-se passar à ação pois essa requer um embasamento sólido para que não se faça inutilmente ou, o que é ainda pior, de modo inadequado.

4º) REVER – Toda ação apresenta um resultado ou uma reação. Somente uma revisão realizada em atitude de humildade e autocrítica, poderá determinar as verdadeiras conseqüências daquela ação, mostrando a necessidade ou não de um redirecionamento que traga resultados mais satisfatórios.

Como se pode observar, o exercício da Consciência Crítica é permanente é dinâmico. Não há um final porque, numa realidade de tempo e espaço como é a que nela vivemos, tudo é impermanente e, assim sendo, tudo necessita ser revisto no tempo e no espaço. Nada, absolutamente nada, permanece para sempre.

Somente assim será possível resgatar a dignidade do Ser Humano, aviltado que tem sido pela constante manipulação de seus direitos e, conseqüentemente, quase eximido de seus deveres. E, à luz da Bioética, será possível estabelecer, de modo claro, os limites da ciência e do trabalho na área de saúde, tendo por fim exclusivamente o BEM do Ser Humano e da natureza que nos rodeia.

A FORMAÇÃO DO MÉDICO CIRURGIÃO PLÁSTICO

A – VOCAÇÃO OU OPORTUNISMO?

Ser médico não é ser melhor nem pior do que os demais profissionais. Mas é ser diferente. Médicos não são deuses, contudo a medicina é uma arte divina. Ter o dom e os conhecimentos para diagnosticar, aliviar e até curar, faz do médico um profissional com um papel e uma responsabilidade ímpares.

Contudo, esta mesma condição traz, para muitos, um verdadeiro drama de consciência: ter de sobreviver, de ganhar a sua vida, prover a sua família, com as doenças de outros seres humanos. Por isso mesmo, muitos utilizam, como defesa contra esta situação, a atitude de não pensar nela. Tal como a avestruz quando se sente ameaçada: enfia a cabeça no chão e considera que o perigo não existe.

Em tempos antanhos, buscava-se a medicina como profissão, somente aqueles que se sentiam realmente vocacionados para ela. Os tempos mudaram e hoje, para muitos, ela é apenas um trabalho como qualquer outro. Sua escolha fica condicionada às oportunidades. De estudo, de aprovação no vestibular e até mesmo nas perspectivas de mercado futuro. E isso acontece igualmente na escolha da especialidade. Muitos são atraídos pelo glamour da cirurgia plástica, quase sempre representada nos meios de comunicação por pessoas bem sucedidas, ricas e famosas. Seu campo de atuação, para muitos incautos, é a comercialização da beleza, a exploração da vaidade, o trabalho relativamente fácil e cercado de luzes, plumas e paetês.

Por isso mesmo é comum a procura da formação rápida, fora das normas vigentes nas sociedades da especialidade, o seu reducionismo em sub-sub-especialidades, enfim a busca do sucesso rápido, da fama fácil, das luzes da ribalta.

A cirurgia plástica nasceu com a chamada cirurgia reparadora, que cuidava de mutilados por acidentes, agressões e guerras. Foi com a 2ª. Guerra Mundial que a cirurgia plástica teve o seu grande impulso. Dividi-la em estética e reparadora nos parece um despropósito pois a palavra plástica vem do grego, plastikós, que significa “dar forma”. E este nome diz tudo, dispensando subdivisões. Contudo este é um procedimento adotado internacionalmente e somente num contexto filosófico podemos ignorá-lo.

Por tudo isso, também a procura desta especialidade só tem sentido quando por vocação. Como a medicina em geral, a cirurgia plástica é um trabalho onde somente os que foram levados a ela por um genuíno chamado, o desejo de “dar forma” a quem perdeu parte de sua própria forma, alcançam o sucesso e verdadeira felicidade de fazer o que fazem. Os que a buscam pelo mercantilismo, mesmo que se tornem bem sucedidos, são pessoa frustradas enquanto seres humanos. Casamento e profissão só têm sucesso quando assumidos por um amor verdadeiro.

B – ESPECIALIZAÇÃO – IMPORTÂNCIA E SELEÇÃO DE SERVIÇOS

Para se obter uma boa especialização, é necessário que se busque uma boa formação. Assim, a seleção de serviço de pós-graduação nunca deve ser feita pelas possíveis facilidades oferecidas mas, sobretudo pelas oportunidades de um ensino amplo, criterioso e abrangente. É parte de um comportamento ético, fazer esta escolha com cuidado. Nele, durante pelo menos três anos, o médico voltará a ser aluno e terá a sua vida plasmada, não só no campo técnico mas, e sobretudo, no humanístico e no ético.

O RELACIONAMENTO MÉDICO-PACIENTE

A – ORGANIZAÇÃO DO CONSULTÓRIO

O relacionamento do médico com o seu paciente, e vice-versa, tem início na própria organização do consultório. E esta, deve começar pela sala de espera. Geralmente pouco valorizada por médicos mais antigos, é um dos pontos fundamentais para o consultório pois, dependendo de suas instalações e dos recursos para o conforto do paciente e seus acompanhantes, esta relação já estará sendo bem ou mal construída. Há que se ter móveis práticos mas confortáveis – nada de aproveitar móveis usados de casa, que foram substituídos – evitando-se as poltronas coletivas. Há pessoas que não gostam de se sentar junto de estranhos e, por mais que discordemos disso, há que se respeitar seu jeito de ser. Revistas de boa qualidade, sempre atuais, e uma televisão que deve ser controlada pela secretária, mantida sempre num canal de preferência educativo e com altura condizente com o ambiente, ajudam aos pacientes tolerarem os eventuais atrasos para o seu atendimento. Nem sempre o ar condicionado é a melhor opção pois algumas pessoas não o toleram. Quando possível, é preferível um ventilador de teto de boa qualidade e apresentação. Água e café à disposição dos pacientes completa o conforto desejável.

A(s) recepcionista(s), assim como os demais funcionários do consultório devem ser solícitos, sempre disponíveis a atender com gentileza e sem afetação. O uso de uniformes de bom gosto, evita as roupas comuns, muitas vezes impróprias para um consultório médico. Mas, que eles estejam sempre limpos e em perfeito estado.

Um sistema de telefonia ágil, de preferência com uma secretária eletrônica para os horários sem atendimento, contribuem para que os pacientes se sintam bem atendidos.

No local de atendimento, devem ser evitadas as mesas que se interpõem entre o médico e o paciente. Elas são como que obstáculos a uma boa comunicação, criando um distanciamento maior entre médico e paciente. Da mesma forma que cadeiras muito diferenciadas, para o médico um verdadeiro trono e para o paciente, uma cadeira comum, acentuam este distanciamento. Para se ter computador, papéis e outros materiais necessários, pode-se ter uma mesa lateral, a qual deverá ser a mais vazia possível. Ela não deve ser depósito de amostras, papéis e livros.

A sala de exames, bem iluminada, deverá ter sempre uma funcionária da área de enfermagem presente. Este é um detalhe muito importante pois, além das facilidades que esta funcionária proporciona, ela servirá como uma testemunha que irá evitar situações que possam comprometer o médico ou causar constrangimento para as duas partes. Nunca se deve examinar uma paciente sem a presença de uma auxiliar.

No consultório, por melhor que ele seja equipado, deve-se evitar procedimentos cirúrgicos de médio ou grande porte pois, além de não serem permitidos pela legislação, poderão trazer graves riscos para o paciente e problemas para o profissional, se surgirem complicações. O correto será procurar se informar qual o limite dos procedimentos permitidos para instalações como a que tiver, para evitar problemas futuros

B – O PACIENTE COMO SER HUMANO

Há que se ter sempre em mente, que o paciente é um ser humano com algum problema significativo, pelo menos para ele. Caso contrário não se exporia a um procedimento cirúrgico que é sempre atemorizante. Exceto para aquelas pessoas que acreditam ser a cirurgia plástica uma espécie de sucursal de salão de beleza. Com estas, é preciso que se tenha muito cuidado. Com a mesma irresponsabilidade com que procuram um cirurgião plástico, irão cuidar de si mesmas no pós-operatório e as complicações não tardarão a acontecer. E serão exatamente estes pacientes que estarão acusando o médico nos tribunais, atribuindo a eles toda a responsabilidade por alguma complicação que tenha ocorrido.

Jamais se deve olhar o paciente como um boneco estragado, sem alma nem sentimentos, que apenas necessita de algum conserto. E, muito menos como uma potencial fonte de lucro, o que acaba levando a indicações cirúrgicas desnecessárias ou então a concessões éticas que só trazem problemas e grandes prejuízos.

Sugerimos um roteiro importante para um bom relacionamento médico-paciente:

Ø DISPOSIÇÃO FÍSICA E PSICOLÓGICA – Quem não está bem disposto, com vontade real de “atender”, insatisfeito com seu trabalho, geralmente atende mal. A solução é procurar descobrir o que se pode fazer para mudar esta situação.

Ø EMPATIA – Significa buscar entender o problema do atendido, do seu ponto de vista, como se fosse ele próprio. Pode-se dizer que “simpatia” é estar ao lado de outra pessoa, buscando saber o que ela sente. Piedade é “envolver” a outra pessoa. Contudo, “empatia” é se deixar envolver pela outra pessoa, para sentir como ela sente.

Ø RESPEITO ( especialmente com “conveniados”!) – Aceitar o outro como ele é, escutando com o mesmo interesse qualquer pessoa, independentemente se suas qualidades, defeitos, raça, cultura, posição, condição sócio-econômica, etc.

Ø AMBIENTE, APRESENTAÇÃO PESSOAL E POSTURA – Local adequado, roupas apropriadas, expressão corporal, tudo isso faz parte de um atendimento com qualidade. As pessoas percebem quando estão sendo atendidas de “boa vontade”.

Ø SUSPENDER JULGAMENTO– É quase uma repetição do item “respeito”. Em outras palavras, não pré-julgar as pessoas, procurando ouvi-las até o final de sua exposição, sem o fazer com opinião já formada sobre ela ou o seu problema.

Ø ESCUTAR E OLHAR (Concentrar-se na pessoa) – Muitos profissionais atendem a um paciente com seus pensamentos voltados para outras situações, sejam os problemas que possam estar vivendo, sejam os encontros sociais que terão, etc. Com isso, ouvem mas não escutam o seu paciente. Também se deve procurar enxergar o que se esconde atrás das aparências, o que o paciente realmente deseja, quem ele realmente é, se traz consigo dramas pessoais e ou familiares. Pois tudo isso irá influenciar até mesmo no resultado final do tratamento.

Ø RESPONDER – É dar um retorno adequado aos problemas que o paciente apresenta, fazendo-o em linguagem adequada. Ter paciência para repetir o que não foi bem entendido, e, sobretudo, conversar detalhadamente sobre as expectativas do paciente pois, quase sempre elas são demasiadamente fantasiosas. Especialmente devido a influência das publicações leigas e presença de cirurgiões plásticos sensacionalistas, na mídia.

C – O MÉDICO COMO SER HUMANO

Se o paciente é um ser humano, o médico também o é. Portanto, é vital que o médico respeite seus limites e seus cansaços, nunca pensando que não precisa de férias nem de descanso. Se tiver uma família, deve saber que ela também necessita dele. Muitos casamentos foram desfeitos porque o(a) médico(a) não tinha tempo para sua esposa ou esposo. Pior ainda quando os filhos são deixados sem uma atenção adequada, o que muitas vezes acaba tragicamente no fácil mundo das drogas. Um péssimo hábito que vem sendo cultivado, especialmente dentro da cirurgia plástica, são os eventos científicos em fins de semana ou feriados prolongados. Muitos justificam isso pela necessidade de não interromper seu ritmo de trabalho. Como se somente o dinheiro que ganham, importasse. Outros atenuam o fato dizendo que também levam suas famílias para um passeio. Contudo, as obrigações do evento sempre impedem um maior contato do médico com a sua família, que fica restrito a alguns poucos programas sociais. Há que se ter sempre presente que trabalho é trabalho e lazer é lazer. Misturar os dois é não fazer nenhum deles de forma adequada. Um ensinamento popular pode ajudar bastante numa reflexão a este respeito:”caixão não tem gaveta”. Desta vida só se leva a vida que a gente leva. E o tempo é inexorável. Uma vez passado, nunca mais retorna para refazermos o que não fizemos bem. O que deixei de fazer, não há como ser recuperado.

RELAÇÃO DO MÉDICO COM SEUS COLEGAS

A – RELAÇÃO INTERPESSOAL

Num mundo cada vez mais cheio de pessoas, de atividades e de compromissos, a relação pessoal entre médicos tem perdido a sua força. Nos antigos congressos com pouco mais de uma centena de participantes, todos se conheciam e se relacionavam satisfatoriamente. Hoje, com milhares de profissionais, este relacionamento se faz apenas em pequenos grupos que se conhecem há mais tempo. Sem dúvida isso é um problema de difícil solução, Contudo, é preciso que se expandam os relacionamentos, evitando-se sobretudo a exclusiva impessoalidade da Internet. A participação em reuniões periódicas, proporciona o fortalecimento de amizades e do espírito de coletividade, coisas que, por estarem tão enfraquecidas, levam ao enfraquecimento da classe médico como um todo, hoje refém das grandes empresas que ditam normas sem que consigamos usar a força que teríamos, se fossemos um grupo mais coeso.

B – RELAÇÃO DIANTE DE COMPLICAÇÕES

Diante de complicações – que só não tem quem nada faz – o relacionamento entre médicos tem sido bastante precário. Quem trabalha em perícias médicas sabe que, quase sempre, atrás de um processo tem outro médico que insufla, orienta ou, quando nada faz comentários de tal forma que o paciente se sente motivado a processar aquele que originariamente o tratou.

Não se trata, de forma alguma, defender cegamente quem comete erros graves e causa grandes prejuízos materiais e psicológicos para o paciente. Contudo, não será através de processos – que acabam respingando em toda a categoria profissional – que tais problemas serão bem solucionados. Muito melhor será a busca de uma solução para o problema, até mesmo através de um entendimento entre o segundo médico e o responsável pelo tratamento inicial. Soma-se a isso o grave desrespeito ao próprio paciente pois, ao fazer críticas ou comentários desfavoráveis ao tratamento realizado pelo outro profissional cria-se, para o paciente, um terrível sentimento de culpa por tê-lo procurado primeiro e com ele feito o seu tratamento. A um mau resultado – se é que ele existe – se somará este sentimento de culpa que é bastante destrutivo. Não será com acusações, muitas vezes injustas, ao seu médico original que se estará apoiando e ajudando efetivamente a um paciente. Além de que, com este comportamento nunca estará contribuindo para conservar uma relação saudável e construtiva entre colegas, que favorece sempre ao paciente e à própria medicina.

C – RELAÇÃO COM ENTIDADES DE CLASSE

Muitos novos médicos rejeitam as entidades de classe, fazendo uma série de alegações e acusações que, mesmo sendo parcialmente verdadeiras, o são exatamente pela omissão dos médicos. Somente com a participação efetiva de todos, estas entidades irão se aperfeiçoar, perderão ser caráter muitas vezes sectário e elitista e poderão realmente defender os interesses de todos. A omissão nunca foi um comportamento ético e transformador de situações iníquas.

RELAÇÃO DO MÉDICO COM A MÍDIA

Hoje vivemos no mundo das comunicações. A mídia, em suas inúmeras formas, invadiu e permeou todas as atividades do ser humano. Não há como fugir. Lembremo-nos de Marcuse, o grande pensador das comunicações, que dizia ter o mundo se transformado numa “aldeia global”. Diante desse fato inquestionável, o médico e, mais especificamente o cirurgião plástico, não tem como fugir da mídia. Porém existem alguns princípios éticos que não podem ser deixados de lado.

A – DIVULGAÇÃO PESSOAL

Sem dúvida que, num mundo competitivo como este em que vivemos, muitos profissionais sentem a necessidade de uma divulgação do seu trabalho e a mídia lhes parece o melhor caminho. Contudo, nem sempre o é. Em questão de rapidez de divulgação, ele é eficiente, mas, com relação à qualidade dos possíveis clientes que conquista, nem sempre é tão bom assim. Pacientes que procuram um médico pelas coisas que ele apregoa, nem sempre são os melhores clientes pois suas fantasias e expectativas geralmente são muito maiores do que a realidade. É preferível que se tenha um pouco de paciência, procurando fazer do seu trabalho, a sua melhor propaganda. O momento mais precioso de nossa trajetória profissional é quando os pacientes que nos procuram são encaminhados por outros pacientes ou por colegas que conhecem e respeitam o nosso trabalho. Contudo, se mesmo assim for feita a opção pela mídia, há que se respeitarem as normas determinadas pelo CFM a respeito, e também aquelas definidas pela nossa sociedade de especialidade. E, dentro destas normas, procurar ser o mais simples possível, evitando-se as rejeições pelos exageros que às vezes são cometidos nas publicidades pagas.

B – ENTREVISTAS PARA A MÍDIA

Numa entrevista, desde que com objetivos educativos, nunca se deve apresentar como “o melhor”, “o único que sabe isso ou aquilo” e coisas semelhantes. Apresentar pacientes, resultados pré e pós-operatórios em revistas leigas, é de extremo mau gosto e totalmente antiético, além de um desrespeito aos pacientes que confiaram no sigilo, jurado pelo médico em sua formatura.

COMPORTAMENTO DIANTE DE UMA COMPLICAÇÃO

A – PREVENÇÃO

Algumas normas são importantes e eficientes para se evitar complicações:

1) ANTES DA CIRURGIA

a) Fazer avaliação criteriosa do que é desejado e imaginado pelo paciente. Verificar se o que ele quer, é o que realmente necessita, e se é possível proporcionar-lhe tal resultado. Para isso, uma conversa detalhada na primeira consulta irá mostrar o perfil psicológico do paciente e se o cirurgião tem realmente condições para atendê-lo. Se não, não operar!

b) Uma avaliação clínica e laboratorial bem feita e bem documentada, é indispensável à segurança do tratamento.

c) Dar informações precisas, detalhadas e de modo compreensível, especialmente das possíveis complicações. De preferência dar folhetos explicativos sobre a cirurgia, suas possibilidades e suas complicações. E nunca deixar de exigir a assinatura do consentimento informado, seguindo modelos já bem definidos. A própria SBCP tem formulários rigorosamente preparados, inclusive do ponto de vista jurídico.

d) No caso de paciente masculino, lembrar-se de que o homem, em nossa cultura, em uma sociedade machista, tem maiores dificuldades para se abrir numa consulta, especialmente para uma cirurgia plástica. Inclusive pode ocultar coisas para não parecer fraco ou menos másculo.

e) Documentar rigorosamente tudo e que foi ouvido e achado nas consultas, inclusive com fotografia padronizadas. Lembrar-se de que, até o presente momento, máquinas digitais não são aceitas para documentação médica, devido à possibilidade de manipulações das fotos.

2) DURANTE A CIRURGIA

a) Somente realiza-la em ambiente apropriado e legalmente autorizado para tal procedimento. Não fazer sedação profunda sem a presença física do anestesiologista. Evitar excesso de cirurgias num mesmo dia, especialmente as de longa duração. O cirurgião é um ser humano sujeito a fadiga. E a fadiga, traz maus resultados!

b) Com pacientes masculinos, não se descuidar de detalhes como se o homem não fosse merecedor de minúcias estéticas. Tampouco considerar que o homem tem de ser forte e tolerante à dor e ao desconforto. Coisa quase sempre totalmente falsa!

c) Evitar conversas desnecessárias – e até inoportunas – durante a cirurgia, principalmente se a anestesia for local ou regional. Contudo, mesmo o paciente sob anestesia geral pode escutar coisas. Muito conversa, e conversa fútil, leva à desconcentração, e esta, aos erros. Telefone celular, em sala de cirurgia deve ser rigorosamente proscrito.

d) Nunca tentar procedimentos cirúrgicos com os quais não se tem qualquer experiência, sem ter ao lado, alguém experiente para orientá-lo.

3) APÓS A CIRURGIA

a) Não fazer concessões a pedidos ou por pressão do paciente, no que diz respeito aos cuidados pós-operatórios. Nos dias atuais, todos têm pressa e quererem retornar rapidamente às suas atividades profissionais, comprometendo a evolução pós-operatória. O mesmo paciente que pede isso, irá acusar o médico de negligência, se surgirem problemas.

b) Não minimizar queixas nem deixar de ver pessoalmente o paciente, se este comunicar alguma anormalidade. Às vezes uma pequena queixa pode estar indicando uma grande complicação em andamento.

B – COMO PROCEDER SE OCORREREM COMPLICAÇÕES

a) Informar pessoalmente e de forma clara, sincera e completa, o que aconteceu ou está acontecendo. Cuidar para deixar bem claro para o paciente e seus familiares que, independentemente de qualquer circunstância ele dará, pessoalmente, toda a assistência possível e necessária. E faze-lo, realmente.

b) Não ter qualquer receio nem vaidosa restrição em pedir a ajuda de algum colega, no qual confia, buscando a melhor solução para o caso.

c) Jamais culpar ao paciente, ou a si próprio, ou a quem quer que seja, pela complicação. Nesta hora, o importante não é ficar questionando “POR QUE AQUILO ACONTECEU” mas sim “O QUE PODE SER FEITO” já que tudo aconteceu. Ninguém tem complicação por que quer.

d) Não deixar, em nenhum momento, que o paciente ou sua família se sintam inseguros ou desassistidos. Respeitar a dor do outro, mesmo que a sua própria dor seja maior. Ser médico é ser aquele que cura se possível; o que alivia quando pode; o que conforta, em qualquer situação!

e) Cuidar do seu paciente como você gostaria de ser cuidado, caso os papéis estivessem invertidos.

f) Cuidado para não cair em contradição. Para isso, não mentir nunca!

g) Respeitar a frustração e as dificuldades para o paciente aceitar as complicações de uma cirurgia plástica, porque seu objetivo é sempre o de ter um melhor aspecto estético e agora está sujeito a não tê-lo.

h) Procurar compreender as preocupações do paciente com complicações que poderão retardar o seu retorno ao trabalho, além de representar gastos maiores do que os previstos e planejados

i) Ter sempre em mente que é preferível ter nele um “cúmplice” do que um “paciente”, que pode, a qualquer momento se tornar impaciente.

C – COM RELAÇÃO À IMPRENSA, SE ESTA ESTIVER ENVOLVIDA

a) Nunca dizer “Nada a declarar!” nem se negar a atender a imprensa.

b) Ser bastante objetivo e autêntico nas informações respeitando, contudo, o que estiver protegido pelo sigilo profissional. E explicar sempre a razão disso, com naturalidade e sem autoritarismo.

c) Evitar falar demais, assim como a expressão “eu acho”. Demonstrar autêntica solidariedade para com o paciente e seus familiares.

d) Estar preparado para dar todas as informações possíveis, especialmente utilizando, quando existirem, dados estatísticos de outros serviços e da literatura, que expliquem o ocorrido.

e) Demonstrar segurança e tranqüilidade, jamais se deixando irritar nem se impacientar com as perguntas feitas.

f) Demonstrar competência, sem a presunção que causa antipatia.

g) Ser o senhor da situação. Não deixar que as informações venham de outras fontes que não ele próprio. Assim estará evitando distorções ou boatos que podem agravar o caso. É preferível esgotar logo as más notícias do que deixá-las ir aparecendo devagar.

h) E repetimos: NÃO MENTIR NUNCA! Só assim não se cai em contradição. Quem mente tem sempre de lembrar a mentira que disse…

8) ATUALIZAÇÃO PROFISSIONAL

A medicina é uma profissão onde o estudar só termina com o encerramento das atividades profissionais. Todos os dias alguma coisa muda e, por isso, a atualização é um dever profissional e ético. Manter uma biblioteca de boa qualidade, assinar revistas técnicas de valor reconhecido (geralmente as que são indexadas), ter hoje um bom domínio da Internet para alcançar publicações com maior rapidez, participar de eventos científicos regularmente, são os melhores caminhos para se manter atualizado.

Para os que forem organizar eventos, alguns pontos são essenciais:
a) Evitar fazer deles um instrumento político, colocando como relatores somente quem pode apresentar coisas realmente atuais e não as eternas repetições, muitas vezes apenas maquiadas para parecerem novas.

b) Evitar as demonstrações cirúrgicas “ao vivo” que apresentam uma série de inconvenientes didáticos e éticos. Com os modernos recursos, é melhor uma gravação de um ato cirúrgico realizado no próprio serviço do relator, com sua equipe, do que uma estressante situação criada por estar operando em um ambiente estranho. Além disso, numa gravação bem feita se vê detalhes de modo muito melhor, além de não se perder tempo com etapas prolongadas e sem maior interesse. Outro ponto muito importante é a relação médico-paciente que, por falta de tempo, nas demonstrações quase nunca se estabelecem adequadamente. Além disso, o pós-operatório é sempre feito por outros médicos, sem a participação do cirurgião. E, pior ainda: nestas demonstrações o maior compromisso do cirurgião é para com os que vão assisti-lo, e não com o paciente, podendo levá-lo a realizar procedimentos não tão bem indicados para aquela pessoa específica, mas que foram previstos para a aula que deve dar.

9) A PESQUISA CIENTÍFICA

Aqui se cometem erros éticos com muita freqüência. Para evitá-los, a DECLARAÇÃO DE HELSINQUE é, com certeza, a diretriz mais apropriada para se seguir. Promulgada em 1962, vem recebendo modificações e atualizações em diversas oportunidades, para que possa estar acompanhando sempre as novas descobertas e reflexões da bioética. Esta Declaração define que a pesquisa biomédica somente será aceita como tal, se for verdadeiramente “pesquisa”, ao invés de experimentações irrelevantes apenas para aumento curricular de seus autores. Será exigida uma correta avaliação da relação danos/benefícios e o consentimento prévio dos pacientes será indispensável para o início e a continuidade de trabalhos experimentais. Mesmo que esse seja um ponto bastante controverso em determinados casos, onde uma interferência psicológica por parte do paciente poderá alterar substancialmente os resultados de uma pesquisa. Assim, caberá aos pesquisadores buscarem alternativas que atendam as necessidades técnicas da pesquisa, sem contudo violentar os direitos básicos do Ser Humano. Toda a relação entre pesquisadores e pacientes deverá necessariamente ter um caráter de “cumplicidade”, ao invés de furtividade oportunista. Para isso, os profissionais deverão estabelecer uma comunicação inteiramente compreensível para os pacientes, ao invés da costumeira utilização de um linguajar técnico, por vezes manipuladoramente hermético aos não iniciados. Não só o Ser Humano deverá ser protegido pelas normas da Bioética, mas todas as formas de vida existentes na natureza pois o Homem depende de todas elas. Entre os temas mais polêmicos, está a chamada “Vivissecção”, que é o estudo em animais, ditos irracionais, vivos. Em 1978 a UNESCO firmou a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, que entre outras coisas termina dizendo: “Todo ato que acarrete a morte de um animal, sem necessidade, é biocídio, isto é, delito contra a vida”. E prossegue: “Todo ato que acarrete a morte de grande número de animais selvagens é genocídio, isto é, delito contra a espécie”. Um documento importante para a sociedade ocidental é o Catecismo Universal da Igreja Católica, publicado em 1993, e que afirma: “O ato moralmente bom supõe a bondade do objeto, da intenção e das circunstâncias… Não se pode fazer um mal para que dele resulte um bem”. (Parte III, Secção I, Cap.I, Art.4, II)

Podemos então fixar duas regras básicas e óbvias:

a) Faça ao próximo, o que gostarias que ele te fizesse.

b) A caridade respeita o próximo e sua consciência.

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