Funeral Substituto
Jornal Estado de Minas, 07 de Junho de 2009
Ainda sob o impacto da tragédia do Airbus da Air France, nos vem à mente os desastres com aviões da TAM e da Gol e, em marco de 2001, o afundamento da plataforma P-36 da Petrobras, juntamente com nove petroleiros cujos corpos jamais foram resgatados. Sem os corpos, como ficam as famílias? Com certeza, para elas o luto será mais intenso e a sua elaboração bem mais problemática. Se não existem corpos, não existe funeral; sem funeral, como lidar com a morte?
Os chamados ritos mortuários são compostos por cinco partes básicas: ‘
a) remoção acompanhada do corpo, hoje quase inexistente, pois já não se morre em casa, mas em instituições – ela tinha um significado de separação do falecido de sua casa e de ‘sua família, começando aí a elaboração do luto;
b) período de visitação, que é o velório, rejeitado por alguns, porém, essencial à elaboração da perda, tanto quanto para os visitantes elaborarem suas relações com a morte, tão difícil nos tempos atuais e em nossa cultura;
c) rito funeral, que pode ser de base religiosa, com celebrações por ministros religiosos ou seculares, com discursos, atos cívicos etc – esse momento, de extrema importância para os familiares, crentes ou não, leva todos a uma reflexão sobre a possibilidade de uma’ vida depois da morte, e nossas responsabilidades com a existência que levamos;
d) cortejo, que leva o corpo à sepultura ou ao crematório, traz o sentido da caminhada que e a Vida, de despedida, de cisão entre a vida de movimento e a imobilidade da morte – também é relevante para a elaboração do luto;
e) sepultamento ou cremação encerra os ritos – nele existe um forte significado de “pôr uma pedra em cima”, encerrando definitivamente essa etapa da vida para a pessoa sepultada – na cremação, a entrada do caixão para a área restrita, seguida do fechamento da porta divisória com a área pública, tem o mesmo significado; ambas são essenciais ao trabalho com os enlutados para que possam evoluir em direção à libertação da dor e do sofrimento, que, em média, leva dois anos, se bem elaborado – a biotanatologia presta ajuda relevante nesse trabalho.
Mas e quando não existem corpos? Como houve a morte se não ocorreram os ritos mortuários? A experiência nos mostra a grande dificuldade para elaborar o luto quando isso ocorre: Por essa razão, hoje se fazem “funerais substitutivos”, por vezes, utilizando urnas funerárias vazias ou com objetos do falecido, ritos funerários de “corpo ausente”, porém, extremamente significativos para os familiares. Em tudo isso a permanente assistência-e posterior acompanhamento por biotanatólogos será, sem dúvida, essencial para a elaboração desse luto complexo e tão sofrido.
Evaldo D´Assumpção
Médico, Biotanatólogo, Ex-presidente da Academia Mineira de Medicina