Musicoterapia e terapia corporal com paciente terminal – Mirian Steinberg

MUSICOTERAPIA E TERAPIA CORPORAL COM PACIENTE TERMINAL

Tratamento em Musicoterapia

Mirian Steinberg

RELATOS DE UM CASO CLÍNICO – “SORRIA SONIA”

O presente relato mostra o processo de atendimento musicoterápico e de terapias corporais.

O quadro clínico do paciente é câncer de mama, com metástase óssea em múltiplos órgãos, que depois evolui para o cérebro, respondeu ao tratamento com hormônio terapia e quimioterapia e depois progrediu. Apresentava dores físicas e um estado depressivo.

O objetivo deste relato é apresentar como as técnicas musicoterápicas e de terapias corporais agiram nas dinâmicas físicas e psicológicas da paciente, assim como proporcionaram um estreito vínculo com a musicoterapeuta, em pequeno período de relacionamento e apresentar os efeitos do som e da música nesse paciente.

A musicoterapia, ciência que estuda e atua na relação do ser humano com o som e a música, vem abrindo novas possibilidades de atuação nas diversas áreas da saúde, encontrando seu espaço em equipes interdisciplinares. Por sua formação, o musicoterapeuta é um profissional que colabora e interage positivamente com profissionais de todas as áreas.

O atendimento de musicoterapia inicialmente se deu a partir de um forte vínculo com a paciente que apresentava muitas queixas de dores e mal estar. A função do vínculo nesse caso foi proporcionar força para enfrentar a doença, segurança, apoio, esperança de melhorar o mal-estar e reduzir o sentimento de solidão.

Nas primeiras sessões a técnica utilizada era o relaxamento, que sensibilizava lentamente cada parte do corpo e posteriormente leves toques nas articulações com o sentido de trazer as noções de corporeidades, de continência, de afeto ao corpo que está fazendo-a sofrer, e S. já se sentiu melhor, respondendo com mais entusiasmo, sorriso e gratidão.

Foi estimulado a memória musical através das músicas significativas da sua vida, suas preferências musicais e até cantar algumas delas.

S. havia uma percepção que seu corpo estava um lado muito maior que outro na região do tórax. O auto toque foi importante para sentir o que era real e imaginário (conseqüência das dores).

As dores do corpo modificam a imagem corporal e consequentemente o bem-estar, no qual é necessária uma intervenção para resgatar as sensações prazerosas do corpo através de técnicas sensoriais próprias e principalmente melhorar a qualidade da percepção e ampliar a percepção de si.

Com isso S. começou a fazer paralelos com sua vida pessoal, a forma de construção dos seus vínculos familiares, conjugais e profissionais, como se tivesse re-contando sua própria história, e lembrando das músicas, dos momentos importantes da vida e um sentimento de gratidão foi tomando sua vida, naquele momento a dor e o mal estar não eram relevantes e sim a sua pessoa e a sua vida como fonte inesgotável de possibilidades.

S. passava os dias com muitos incômodos, dores, intestino, não conseguia comer, deitada e tentando se fortalecer a cada instante.

Porém S. já havia construído uma outra imagem do seu corpo não mais tão desigual e de posse de uma caixa toráxica mais viva e com a potência de uma caixa de ressonância. Começamos a emitir sons vocais e observar a vibração sonora nas caixas de ressonância.

Procurando visualizar a estrutura do corpo (através de imagens do corpo) e levar o som da sua própria voz as partes internas do corpo. Caminhando com a voz pelos espaços internos do corpo com a vibração sonora, fazendo uma massagem interna, ampliando a capacidade respiratória e a sensação do prazer no corpo.

Foi emitido o som da vogal ”A” na caixa toráxica e costelas, o som da vogal “I” na coluna, e na bacia o som da vogal “O” .

Eram as mesmas vogais de seu nome O I A “SONIA” e também as mesmas de “SORRIA” e então atentamente e naturalmente começamos a cantar e vibrar: “ Sorria Sonia”.

Uma intensa plenitude foi fazendo parte daquele sublime momento. Tão simples, porém verdadeiramente vital, a vibração sonora mostrando para nós a alegria de ser….

No dia seguinte S. tem uma queda no banheiro e fratura o fêmur precisando ficar hospitalizada. Conta sua experiência ao entrar na ambulância que avista um lixeiro (no qual diz sempre ter tido certo distanciamento para os menos favorecidos), e este havia lhe olhado profundamente nos olhos, comprimentando-a e lhe falado algumas palavras de conforto. S. relata que naquele momento havia perdoado a si mesmo e é acometida por uma profunda sensação de gratidão, mesmo naquela situação adversa em que se encontrava.

Fizemos algumas sessões no hospital, onde S. estava cada vez mais debilitada, mas a música, que acompanhou essa passagem, tinha a letra abaixo e cuja abertura musical era um solo de violão claro e límpido.

“Eu só peço a Deus que me ame com certeza, só pela tua beleza, eu haverá de te amar, só pela tua beleza, eu haverá de te amar. Só peço a Deus, o cantar dos passarinhos que me ame com certeza, um só pondo de mansinho, só pela sua beleza, na natureza te encontrar, eu haverá de te amar, ouvindo a sinfonia do universo na beleza do mundo me inspirar. Só peço a Deus um coração aberto e manso, como tem Jesus, harmonia e vibração e amar, na sinfonia do universo, me inspirar, ser instrumento e tocar, tocaaaar. Só pela sua beleza eu haverá de te amar.”

S. relata sua experiência que sentia estar deitada num campo com muito verde, com um céu azul e pessoas ao seu redor cantando e dançando para ela, e mais uma vez uma profunda sensação de leveza e bem-estar acolhe seu corpo no ambiente hospitalar, como se tivéssemos e temos o poder de percorrer territórios melhores na doença, com potência de vida, de alegria, de consciência da sua própria existência, de amor e de cura….

E nesse clima S. foi se desligando e numa bela manhã de domingo dia 28/03/2004 (S. havia me pedido um mês antes para aumentar os dias das minhas visitas até o dia 28/03).

Nessa manhã um passarinho cantou na minha janela e como disse seu filho também na sua que S. havia partido.

Nesse relato observamos a função revitalizadora das sonoridades da voz, a musicalidade nas canções como um recurso de alívio das dores e obtenção de prazer e bem-estar no corpo, além da música ter estimulado imagens positivas de conforto e tranqüilidade nessa passagem muitas vezes angustiante e difícil.

E então fiz uma poesia para ela e sua família (abaixo).

“A PASSAGEM”

Na canção o perdão
Que resgata a lembrança
E re-conta no fio da vida
Sua história daqui e de lá.

Na canção contemplar a luz
E o calor do Amor eterno
Nas mãos o toque
Do silêncio que fala a voz dos anjos.

Fazer vibrar o som no corpo
E deixar fluir no sangue
O fogo da Vida Eterna
O fogo da consciência divina
E a sabedoria que a Vida nos mostra no mais simples olhar.

Uma força estranha no ar
Revela sua beleza
Re-constrói os fragmentos da
Memória e transforma numa Alquimia

Da cura no espírito
Viver a paz eterna
A suavidade do perfume de alfazema
A leveza do canto dos pássaros
O encanto do encontro com
O mais pleno estado de Amor e Gratidão.

Mirian Steinberg
Musicoterapeuta e Terapeuta Corporal
Docente da Faculdade Paulista de Artes
3813 4710/ 9787 7445
miriansteinberg@yahoo.com.br