Quando a morte é o show – Sonia Sirtoli Färber

Quando a morte é o show

Usando de muitos artifícios e de expediente dos mais improváveis a humanidade tem banido a morte de suas reflexões, e adiado o tema em suas conversas. Como se a ausência do confronto impedisse o seu assédio e ocorrência.

Hoje, estamos vendo, on-line, um exemplo paradigmático: o tributo a Michael Jackson. Esse evento levanta questões tanatológicas muito particulares, das quais chama a atenção o modo como o a morte é representada.

A comoção planetária em torno desse acontecimento aponta para o significado subjetivo que a morte tem, pois, de alguma forma, todos se sentem tocados. No ginásio, o caixão é trazido fechado e coberto de flores, tornando-se veículo portador da morte de algum aspecto da vida cada expectador; cada um sendo impelido a ver o que é morte, para si, dentro daquele ataúde, coletivo, lacrado, mas aberto a inúmeras possibilidades e simbolismos.

Não é apenas a morte de um homem, mas do homem, que é trazida à baila, e esta necessita de maquiagem para ser mais bem apresentada, de música (jamais de um réquiem) para evocar a alegria, e de platéia para que múltiplas testemunhas comprovem que, de alguma forma, ela não os alcançou.

No primeiro discurso, que segue à colocação do esquife, o orador lembra que o morto é da família Jackson, mas também da família dos homens. O papel social da morte torna-se evidente quando os expectadores são incluídos no luto por alguém da sua espécie, que deixa de existir.

Com a afirmação: “Continuará vivo enquanto for lembrado!” o orador retoma o conceito clássico veterotestamentário, presente na Bíblia Hebraica, em que a longevidade humana é entendida como presença imaterial, mesmo que apenas em forma de lembranças, ou em menções feitas à vida ou eventos protagonizados por aquele que fisicamente já morreu.

Imortalizado por sua obra? Certamente. Imortal? Ainda que sob inúmeras flores, o caixão atesta que não.

A morte pode ser mascarada e até mesmo colocada em lugar secundário, durante o show da despedida. Porém, a negação aponta para a dificuldade humana em enfrentar com realismo a única certeza que atinge todos os seres vivos.

Sonia Sirtoli Färber
Teóloga. Tanatóloga. Professora da Faculdade Missioneira do Paraná – FAMIPAR