Vivência de morte: um reencontro com a Vida – Patrícia Lima Chagas

Vivência de morte: um reencontro com a Vida

Patrícia Lima Chagas

O que é a vivência da morte? O quê senão o contato súbito com nós mesmos, com a nossa verdade mais profunda, com o valor de algo genuinamente importante e significativo para nós no momento em que já não o teremos mais, ou no instante da consciência da iminência da perda ?

A morte, em sua concepção ampla, é o tipo de vivência que nos transporta para nós mesmos, arrancando-nos inevitavelmente do nosso automatismo anestesiado e nos lançando, de modo abrupto, na consciência de nossa inércia e das perdas que vimos vivenciando cotidianamente sem perceber, a cada momento de desconexão com o que verdadeiramente somos, com o que de fato faz sentido pra nós; a cada entrega à correria do dia-a-dia; nas pequenas (ou grandes) e repetidas desatenções às pessoas que mais amamos; na incansável luta por realizações de sonhos que não são os nossos; no desgastante trabalho de sustentação de valores alheios em nós, em detrimento do movimento de aprofundamento em nós mesmos, de contato com nossos verdadeiros valores, do reconhecimento dos sentidos que, genuinamente, atribuímos às coisas.

Ao vivenciarmos uma perda, nos damos conta do quanto abrimos mão de nós mesmos, do quanto nos renunciamos, quanto deixamos de SER. Por tudo isto – e não “apenas” – a vivência da morte pode-se nos apresentar, num primeiro momento, como um imenso vazio… não somente um vazio da coisa tão importante que concreta e imediatamente reconhecemos que perdemos, mas, sobretudo, um imenso vazio de nós mesmos. É quando percebemos o quanto nos descuidarmos de nós e o quanto perdemos por isso.

Quanto da dor da perda é a dor da consciência de não termos aproveitado o suficiente a presença de algo tão importante pra nós; a dor da consciência do quanto não tratamos esse algo, ou esse alguém, com o devido cuidado; de quanto nos perdemos no caminho a ponto de sequer nos reconhecermos claramente em meio à gritaria de uma multidão estranha em nós !

Mas, num segundo momento, a vivência de morte também pode se revelar uma grande oportunidade de regressarmos à nossa casa, àquela íntima e genuína. O contato com nós mesmos e com nossos valores, propiciado pela vivência de perda, pode nos trazer a percepção da nossa humanidade; a clareza do nosso direito de sermos nós mesmos; a compreensão de que apenas SER vale verdadeiramente a pena, de que somente SENDO, e sendo acolhidos no que SOMOS, podemos realmente nos sentir amados e amar plenamente; somente na autenticidade podemos aproveitar tudo o que a vida nos oferece de significativo pra nós.

Depois, passada essa vivência, cabe-nos a trabalhosa tarefa de permanecer em contato, de manter vivos os sentimentos despertados pela perda, de voltar às atividades mantendo o tempo para respirar; de voltar à sociedade mantendo internamente viva a consciência do direito de SER; manter nas atitudes o exercício deste direito. Cabe-nos a responsabilidade de seguir-nos permitindo a nossa humanidade, a nossa imperfeição, as nossas tristezas, os nossos medos, fragilidades e covardias; e a responsabilidade de seguirmos reconhecendo as nossas capacidades, os nossos talentos, o nosso direito à felicidade e às alegrias, as nossas forças… Fica para nós a oportunidade de cuidarmos de nós mesmos e de tudo o que verdadeiramente é importante pra nós, a nova chance de nos tornarmos cada vez mais autênticos, cada vez mais unos e únicos, cada vez mais, essencialmente, plenos.